A ferrovia em rede

Ao longo de toda a nossa história, a ferrovia foi o parente pobre das políticas de mobilidade de todos os Governos. O país que fez autoestradas paralelas nunca construiu uma rede ferroviária nacional densa e moderna e, nas últimas décadas, chegou ao ponto de destruir mais de mil quilómetros da pouca rede que existia.

Ao sub-investimento crónico, juntou-se a obsessão europeia com a privatização de tudo o que mexa ou, para ser mais preciso, de tudo o que dê lucro. Do resto trataria o Estado. Na prática, vingou o modelo da concessão em que o Estado investe e os privados ficam com a renda. Em nome desta miragem, fez-se uma manta de retalhos no lugar de uma rede de serviço público.

E é de uma rede que precisamos de falar. A utilização da ferrovia pelas pessoas cresce exponencialmente com a sua capacidade de chegar a todo o país, em condições mínimas de conforto e rapidez. A ferrovia só faz sentido se for pensada como uma rede com cobertura nacional, em que cada ramal alimenta as linhas principais e as redes urbanas e suburbanas. Com a fragmentação de cada percurso, perdem todos os outros.

A União Europeia contribuiu ativamente para o equívoco nacional. Ao condicionar o financiamento de projetos no setor da ferrovia à sua rentabilidade de mercado, a Comissão foi impondo a miopia como orientação para a política de mobilidade. Precisamos de novos olhos que vejam os ganhos económicos, ambientais, sociais e de coesão territorial e os incluam nas prioridades do investimento. Agora, e não em horizontes que se vão sistematicamente afastando Governo após Governo. Na política de mobilidade de hoje, a rede ferroviária nacional é a maior das urgências.

Artigo publicado na edição impressa de 4 de Janeiro.

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