Obsessão ou a passo de caracol? As ciclovias de Lisboa dividem opiniões

Oposição voltou a pedir os estudos em que a autarquia se baseou para criar ciclovias e o vereador da Mobilidade disse que alguns projectos estão disponíveis online.

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A polémica ciclovia da Almirante Reis concentrou muitas atenções Nuno Ferreira Santos

O debate sobre as ciclovias em Lisboa chegou na terça-feira ao plenário da assembleia municipal e a oposição ao executivo socialista uniu-se na crítica à falta de estudos. No fim de uma discussão que girou sobretudo à volta de opções políticas, a câmara anunciou que no seu site estão agora os projectos de algumas ciclovias e a assembleia recomendou mais envolvimento da população neste processo.

O debate foi motivado por três petições públicas que chegaram aos deputados em meados de 2020. Uma pedia a “suspensão imediata da ciclovização desenfreada”, outra visava “apoiar o aumento do espaço pedonal e da rede ciclável” e a terceira pugnava “por uma melhor ciclovia para a Av. Almirante Reis”.

O que logo mereceu críticas dos peticionários e de alguns deputados foi a decisão da Comissão de Transportes, Mobilidade e Segurança de juntar as três petições num só relatório e numa só sessão. “O mínimo que merecia a cidadania que se mobilizou era que tivesse sido feito um relatório individualizado para cada uma das petições”, afirmou Tiago Alves, do grupo Vizinhos de Arroios, subscritor do texto específico sobre a Almirante Reis.

O cidadão explicou que as 1148 assinaturas da petição foram recolhidas presencialmente, com indicação do número de identificação, e que o grupo ainda seleccionou uma amostra de 400 fregueses de Arroios para um inquérito sobre a ciclovia. “Percorremos 80% dos arruamentos de Arroios. A cidadania empenhou-se”, disse. Já da parte da assembleia não viu o mesmo esforço. “Acho que não houve um grande empenho em analisar esta petição”, lamentou.

Para justificar a sua “decepção” com o relatório dos deputados, Tiago Alves disse que “ele não responde aos dois principais problemas” da ciclovia, o congestionamento do trânsito automóvel e a diminuição de segurança na avenida. “O relatório não dedica uma linha sobre segurança. A segurança de automobilistas, ciclistas e peões está claramente posta em causa.”

João Moucheira, primeiro subscritor da petição anti-ciclovização, criticou o “ambiente de algum secretismo” que tem rodeado a implementação de ciclovias e também se referiu à Almirante Reis. “Argumenta-se que os veículos de emergência podem usar as ciclovias, mas nunca se fala do perigo que representa para os utilizadores da ciclovia o facto de as viaturas de emergência poderem circular. Isto é de uma inconsciência muito grande.”

Luís Vieira, pelo contrário, foi a voz de apoio à política municipal, embora tenha lamentado a lentidão da autarquia na implementação destas medidas. “As alterações são muito necessárias”, defendeu. “É sobejamente sabido o que é a diminuição da sinistralidade quando se tomam medidas de acalmia de tráfego e de introdução de ciclovias”, exemplificou, instando a câmara a não dar atenção excessiva ao ruído que rodeia o tema. “Estamos contentes com a ambição que a Câmara de Lisboa tem para ter uma mobilidade sustentável. Existe muito, muito boa gente que quer estas alterações e está ansiosíssima para que as tenha.”

Acusações mútuas

No debate político que se seguiu todos os partidos disseram defender a mobilidade ciclável em Lisboa, mas tanto à esquerda como à direita se ouviram críticas de “experimentalismo”, “falta de transparência” e “fundamentalismo”.

Pelo PSD, António Prôa acusou o executivo de Fernando Medina de “estender ciclovias a qualquer custo para mostrar obra” e de, assim, “colocar uns lisboetas contra os outros”. O social-democrata, que preside à Comissão de Transportes e Mobilidade, foi um dos vários que lamentou não ter visto estudos. “Não só foram pedidos elementos, como foi prometida a sua entrega atempada, e até hoje estamos à espera dos estudos, que não sabemos se foram feitos ou não”, disse. “A teimosia da ciclovia da Almirante Reis ficará como símbolo da teimosia deste executivo.”

Fernando Correia, do PCP, bateu na mesma tecla e disse que a ciclovia da Almirante Reis surgiu “para grande surpresa de muita gente” e transformou a avenida “num verdadeiro inferno”. Uma ideia que foi contrariada por João Valente Pires, do PS, que desdramatizou as críticas. “A ciclovia na Almirante Reis foi feita precisamente para isto, para ser vista, revista, analisada”, disse. Cláudia Madeira, de Os Verdes, fez notar que “muitos dos desentendimentos e das críticas não tinham sequer existido se a câmara tivesse feito os estudos e discutido com a população”.

Pelo BE, Ricardo Moreira fez uma defesa das actuais políticas de mobilidade e espaço público. “A forma como nos temos movido nas cidades não é sustentável nem para a saúde nem para o clima. Precisamos de depender menos dos carros individuais, temos de aumentar e melhorar o espaço público, temos de melhorar muito os transportes públicos”, afirmou. Reconhecendo que “a câmara está em falta” por não ter entregado os prometidos estudos e que “há profundíssimas melhorias a introduzir na ciclovia da Alm. Reis”, o bloquista disse, ainda assim, que “o ritmo de crescimento [da rede de ciclovias] tem de ser maior” e que “podem e devem ser criadas mais ciclovias temporárias”.

Igual posição manifestou Paulo Muacho, deputado independente eleito pelo Livre. “Há aqui muitos deputados que querem sol na eira e chuva no nabal, são favoráveis às ciclovias mas depois não concordam com nenhuma. A câmara demorou demasiado tempo a implementar estas ciclovias e a tomar estas medidas. Já há décadas que existem estudos. A transformação tem sido feita a passo de caracol.”

O centrista Gabriel Baptista Fernandes alertou, por sua vez, que “o experimentalismo tem custos” e que parece existir “uma ditadura da minoria”. José Inácio Faria, do MPT, disse que a câmara “navega a onda da moda da sustentabilidade sem que a entenda” e Aline de Beuvink, do PPM, sugeriu a criação de uma comissão técnica alargada para não se gastar mais dinheiro em “experimentalismos ideológicos”. “A falta de planeamento está a ter custos ambientais, sociais e económicos”, referiu.

Em resposta, o vereador da Mobilidade disse ter procurado nos programas eleitorais dos partidos de direita pelas suas ideias em relação às ciclovias e de não ter encontrado referências. “No papel já concordamos todos”, ironizou. Miguel Gaspar anunciou que “há neste momento uma área do site da câmara com informação”, mas isso não calou os protestos da oposição. Nessa página encontram-se os folhetos e projectos de algumas ciclovias a ser criadas ou já criadas. “É verdade que o município está a investir nas ciclovias, mas isso não quer dizer, em nenhum momento, que tenhamos deixado para trás o investimento noutros modos de transporte”, disse.

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