Eutanásia, quando uma birra vai longe de mais

E assim vivemos, neste país onde a birra de alguns deputados, incapazes de lidar com a rejeição das suas ideias, no Parlamento e pelos especialistas, marca a agenda nacional.

O ano de 2020 foi um ano especialmente duro para o SNS. No começo do ano a situação já era bastante complicada, com notícias constantes de falta de material e de pessoal para responder às necessidades dos portugueses.

A pandemia da covid-19 veio sobrecarregar de maneira brutal um SNS que já estava à beira da ruptura. Os resultados vão-se conhecendo: mais de 6 milhões de consultas adiadas, centenas de milhares de cirurgias, tratamentos e exames que ficaram por fazer. Neste momento, com a terceira vaga da pandemia, já começam a ser suspensos outra vez os tratamentos não urgentes em vários hospitais públicos.

Este cenário não será indiferente para o aumento brutal da mortalidade no ano passado, que vai bastante além dos mortos causados pelo coronavírus.

Neste momento o SNS não tem capacidade para garantir resposta, até em questões razoavelmente básicas, a boa parte da população portuguesa. Existem doentes cardíacos, oncológicos e com doenças crónicas sem acesso a cuidados de saúde que são essenciais para garantir a sua saúde e o seu bem-estar.

A esta crise na saúde soma-se uma crise económica de contornos ainda desconhecidos, mas que já está a afectar profundamente as famílias portuguesas, com o FMI a prever uma queda de 10% no PIB nacional. Evidentemente que esta quebra do poder financeiro se traduz também em menor capacidade para comprar remédios, menor capacidade para recorrer a serviços privados de saúde, e menor capacidade de assegurar custos que garantam o bem-estar dos mais idosos ou mais doentes.

Felizmente, existem deputados que trabalham incessantemente para garantir respostas aos grandes dramas que o país atravessa. Exemplo disso é o trabalho fulgurante da Comissão de Trabalho criada para a legalização da morte a pedido. Que, apesar da pandemia e dos confinamentos tem trabalhado incessantemente para garantir que a eutanásia se torne legal o mais rapidamente possível. Falhado o prazo inicial de dar a eutanásia como presente de natal aos portugueses, o grupo de trabalho, inspirado por deputados como Isabel Moreira, José Manuel Pureza e Mónica Quintela tudo tem feito para que a morte a pedido seja a surpresa de ano novo para os seus concidadãos.

Infelizmente, estes deputados parecem não ter tempo ou capacidade para assegurar o acesso de todos os portugueses a cuidados de saúde básicos (já nem falo dos cuidados paliativos, um miragem para mais de 75% do país), mas têm demonstrado uma enorme capacidade de trabalho para tratar da saúde aos portugueses, sobretudo os mais doentes e idosos, especialmente afectados por esta pandemia.

Para estes deputados, o mesmo Estado que não é capaz de assegurar uma consulta a um doente oncológico, deve ter a possibilidade de decidir matar um doente que pede para morrer. O mesmo Estado que não assegura condições dignas para quem está em sofrimento pode oferecer-lhe uma injecção letal no braço.

Todo o processo legislativo da eutanásia é difícil de perceber. É difícil perceber a pressa em legislar uma lei que foi chumbada há dois anos no Parlamento, a insistência em legislar contra o parecer da Ordem dos Médicos, da Ordem dos Enfermeiros, da Ordem dos Advogados, da Comissão Nacional de Ética para as Ciências da Vida e de tantas outras instituições e especialistas, a obstinação num tema que tem suscitado uma enorme onde de contestação social e sem qualquer movimento social de relevo que lhe seja favorável, a imposição de uma causa que parece apenas interessar a Isabel Moreira e aos seus amigos.

A única explicação que encontro é que, de facto, isto se trata de uma birra de um grupo de deputados que não conseguiu aceitar que a sua posição tenha sido chumbada no Parlamento em 2018. Uma birra adolescente, cuja reprovação dos adultos (as Ordens, o CNECV, etc.) a torna cada vez mais urgente. Só isso justifica que, num país onde morrem 90 pessoas por dia com uma doença para a qual só agora se começa a vislumbrar uma resposta, a urgência de Isabel Moreira, José Manuel Pureza, Mónica Quintela e companheiros seja legalizar a morte a pedido.

E assim vivemos, neste país onde a birra de alguns deputados, incapazes de lidar com a rejeição das suas ideias, no Parlamento e pelos especialistas, marca a agenda nacional. Resta saber se a Assembleia da República vai mesmo aceitar que a sua agenda seja marcada por birras adolescentes.

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