Discutamos seriamente a nomeação de magistrados para instituições internacionais

Um sistema como este afastaria suspeitas de corporativismo ou ingerência política como as que têm sido levantadas na recente polémica, suspeitas que, independentemente de se virem a revelar justas ou injustas, afetam irremediavelmente a independência de qualquer candidato que seja escolhido.

A recente polémica sobre o procedimento de nomeação do magistrado português para a Procuradoria Europeia não pode ser vista como um episódio isolado. Já em anteriores momentos de nomeação/indicação de magistrados portugueses para instituições internacionais o procedimento seguido gerou polémica, muitas vezes afetando o bom nome de candidatos com currículos insuspeitos e sempre pondo em causa a reputação de Portugal.

Basta relembrar que por duas vezes consecutivas, em 2004 e 2010, o Conselho da Europa rejeitou as listas de candidatos inicialmente apresentadas por Portugal para Juiz do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, alertando para a falta de transparência do procedimento de escolha.

Na sequência da primeira dessas rejeições, foi debatido na Assembleia da República um projeto de lei (451/IX) que regularia o processo de seleção de magistrados portugueses para órgãos judiciais internacionais. Previa-se nesse projeto que o processo deveria obedecer aos princípios da liberdade de candidatura, da publicidade e da transparência, só sendo aceites as candidaturas que apresentassem exposição comprovativa dos requisitos de candidatura e de curriculum vitae do candidato. Seria uma comissão independente, composta por seis membros designados por várias entidades (Tribunal Constitucional, Conselho Superior da Magistratura, Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Conselho Superior do Ministério Público, Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e Ordem dos Advogados), quem analisaria as candidaturas e elaboraria uma lista com os nomes que obtivessem parecer favorável, ficando o Governo obrigado a escolher os nomes a nomear e a propor de entre os candidatos constantes dessa lista.

O projeto de lei foi rejeitado com os votos contra de PSD e CDS, com o argumento, entre outros, de que deveriam continuar a ser o Governo e a Assembleia da República a manter total controlo da decisão final do processo (o projeto de lei e o debate parlamentar estão livremente acessíveis em www.parlamento.pt).

É hora de voltarmos a debater esta matéria de forma séria. Como em qualquer tribunal nacional, o exercício do cargo de magistrado num órgão jurisdicional internacional tem como pressuposto essencial a independência da pessoa nomeada – não apenas a real (indispensável para o correto exercício do cargo), mas também a percecionada (essencial para a confiança dos cidadãos). Para que ambas existam, o procedimento de nomeação não pode deixar qualquer margem para dúvidas ou suspeitas, sob pena de não estarem reunidas as condições para que o magistrado possa exercer devidamente as suas competências.

Por isso, apesar de caber ao Estado a indicação da pessoa ou lista de candidatos, esta tem de seguir procedimentos que sejam transparentes e isentos de qualquer interferência (real ou potencial), seja ela corporativa ou política.

Para evitar acusações de corporativismo como as que agora estão a ser lançadas, estabeleça-se que a seleção dos candidatos deve ser feita após concurso aberto a todos os que entendam reunir os requisitos para o exercício do cargo, com critérios e prazos de candidatura pré‑definidos, e não por indicação de qualquer órgão, situação que – ainda que precedida de concurso aberto – pode sempre gerar uma perceção pública de corporativismo.

Para evitar acusações de ingerência política como as que também têm sido feitas, é necessário ir mais longe no que toca à escolha. Além da existência de uma comissão independente (com a composição anteriormente proposta ou outra, desde que garanta pluralismo e independência política) e de um processo transparente, é imperioso eliminar totalmente a intervenção política na decisão final. Deve ser aquela comissão a escolher o nome a indicar (quando caiba a Portugal fazê‑lo diretamente) ou a lista de nomes (quando deva ser a instituição internacional a ter a palavra final), com publicidade total das audições dos candidatos, da discussão e dos fundamentos da decisão final, assim se permitindo a qualquer cidadão aceder aos motivos que tenham estado na base da escolha.

Um sistema como este não afastaria a intervenção da Assembleia da República, podendo continuar a prever‑se que os candidatos que fossem admitidos ao concurso seriam ouvidos perante a comissão parlamentar competente, que elaboraria o seu parecer e o transmitiria à comissão independente. Mas afastaria suspeitas de corporativismo ou ingerência política como as que têm sido levantadas na recente polémica, suspeitas que, independentemente de se virem a revelar justas ou injustas, afetam irremediavelmente a independência de qualquer candidato que seja escolhido.

Só assim conseguiremos que os candidatos escolhidos para os cargos não vejam posta em causa a imagem da sua independência e, acima de tudo, conseguiremos parar o cíclico denegrir do nome de Portugal no plano internacional.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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