O monstro vence-se nas urnas

Esta pré-campanha não deixará de ficar como mais um passo na normalização do oportunismo político de André Ventura.

A campanha eleitoral para as presidenciais de 2021 arranca depois de 21 debates que captaram a atenção de muitos eleitores e que, com a excepção de um deles, foram razoáveis oportunidades para os candidatos discutirem as suas ideias e, igualmente importante, dadas as características do cargo, permitiram aos portugueses conhecerem melhor cada um deles.

Quem inscreve entre os seus princípios a democracia não pode deixar de se sentir confortado ao vê-la em funcionamento. Mas não pode também deixar de se inquietar, quando percebe que este regime aberto e inclusivo é palco para aqueles que defendem princípios contrários aos que sustêm e dão razão à democracia.

Por muito que a democracia se ganhe “no debate das ideias”, como afirmou Marcelo Rebelo de Sousa, seria néscio não assinalar a gravidade que é ter pela primeira vez na história portuguesa um candidato presidencial cujas ideias integram a possibilidade de cortar as mãos a ladrões, que assume querer confinar uma etnia e não hesita em falar de ditadura. Esta pré-campanha não deixará de ficar como mais um passo na normalização do oportunismo político de André Ventura e não é por acaso que ele não se cansou de evocar nos debates as relações do Chega com o PSD. Que o seu debate com o Presidente incumbente tenha sido o frente-a-frente político transmitido por um só canal mais visto desde 2012 torna ainda mais perceptível o risco que corre o sistema ao ver disseminar ideias contrárias aos princípios básicos da humanidade.

As imagens da tomada do Capitólio pela turba de Trump são um vigoroso alerta para todos os que acham que o sistema é capaz de resistir a tudo, mesmo aos monstros que permite que vivam dentro de si. Como escreveu no PÚBLICO António Barreto, a resposta que se impõe contra a ameaça destes extremismos e da radicalização da vida política é melhores democratas e melhor democracia. Mas a mais imediata e decisiva são as urnas.

Se as eleições já eram importantes, por se perceber que o próximo mandato será exigente para o papel equilibrador do Presidente da República, e que o sistema ganharia em ter um vencedor legitimado por números expressivos, ganham ainda mais relevo por serem a possibilidade de os eleitores rejeitarem valores que devem permanecer inaceitáveis na nossa sociedade. Razões mais do que suficientes para que as dificuldades levantadas pela pandemia tenham uma resposta clara das autoridades que permita o acesso de todos, sem exclusão de qualquer grupo, ao exercício de uma das formas de rejeitar aqueles que usam o sistema para o minar.

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