Procuradoria Europeia: reflexos num olho dourado

Na Procuradoria Europeia há coletivos de qualidade, há supervisão e orientação, não há decisões importantes que não sejam previamente partilhadas e discutidas. Individualismo, nem pensar!

1. Procuradoria Europeia: sabe o leitor o que é? Organismo recentemente criado no âmbito da União Europeia integrado por procuradores dos diferentes Estados-membros aderentes (são 22), tem como missão investigar e levar a julgamento as fraudes e desvios de fundos financeiros comunitários.

Nasceu com dificuldade, ao fim de cerca de 20 anos de negociações, porque custa a Estados poderosos ceder soberania. Mas lá se instalou no Luxemburgo.

Em Portugal, na investigação criminal um procurador tem elevado grau de autonomia individual na condução do inquérito e na decisão de acusar e/ou arquivar. Mesmo quando uma investigação acaba em absolvição no julgamento e recursos, não há norma que imponha uma avaliação da correção da investigação e decisão de acusar, exceto em casos disciplinares.

Já na Procuradoria Europeia a estrutura funcional é em coletivo. Veja-se o art.º 9 do Reg. 2017/1939 que a instituiu:

1. O Colégio da Procuradoria Europeia é constituído pelo Procurador-Geral Europeu e por um Procurador Europeu por cada Estado-membro. O Procurador-Geral Europeu preside às reuniões do Colégio e é responsável pela sua preparação.

2. O Colégio reúne regularmente e é responsável pela supervisão geral das atividades da Procuradoria Europeia. Toma decisões sobre questões estratégicas e questões gerais decorrentes de casos individuais, especialmente no intuito de assegurar a coerência, eficiência e coesão da política de ação penal seguida pela Procuradoria Europeia em toda a União, bem como sobre outros assuntos especificados no presente regulamento.

Por outro lado, este Colégio também constitui as Câmaras Permanentes que acompanham e orientam as investigações e ações penais conduzidas pelos Procuradores Europeus Delegados, asseguram também a coordenação das investigações e das ações penais nos processos transfronteiriços, e asseguram a aplicação das decisões tomadas pelo Colégio, nos termos do artigo 9.o, n.o 2.

Além disso, as Câmaras Permanente, após examinar um projeto de decisão proposto pelo Procurador Europeu Delegado competente, decidem quanto a várias questões, entre as quais, a de acusar e a de arquivar (art.ºs 36 e 39).

Que a tónica está em decisões coletivas e muito supervisionadas, retira-se também do considerando 23 do Regulamento, com este teor: “No presente regulamento, os termos ‘supervisão geral’, ‘acompanhamento e orientação’ e ‘supervisão’ são utilizados para descrever as diferentes atividades de controlo exercidas pela Procuradoria Europeia. Deverá entender-se por ‘supervisão geral’ a administração geral das atividades da Procuradoria Europeia, em que apenas são dadas instruções sobre questões que têm para esta uma importância horizontal. ‘Acompanhamento e orientação’ deverão ser entendidas como as competências para acompanhar e orientar as investigações e ações penais individuais. Deverá entender-se ‘supervisão’ como uma fiscalização mais estreita e contínua das investigações e ações penais, que inclui, sempre que necessário, a intervenção e a formulação de instruções sobre questões relativas às investigações e ações penais.”

Tranquilos, portanto, os duvidosos, porque na Procuradoria Europeia há coletivos de qualidade, há supervisão e orientação, não há decisões importantes que não sejam previamente partilhadas e discutidas. Individualismo, nem pensar!

2. Uma procuradora nacional comunicou a uma agência noticiosa “ter consciência, como cidadã e magistrada, que as informações que têm vindo a público sobre a forma como decorreu o processo de seleção, em nada contribuem para a independência da Procuradoria Europeia, o regular funcionamento do Estado de Direito, o direito que os cidadãos têm à boa administração e ao respeito pelo princípio da transparência no funcionamento das instituições que os governam”.

Desconhecíamos que a independência da Procuradoria Europeia dependia da farândola noticiosa caseira, convencidos que estávamos de que as normas que a regem, plasmadas no seu regulamento europeu, fossem garantia suficiente da independência daquela instituição. Errados, portanto!

De resto, a mesma procuradora aponta como “absolutamente fundamental o respeito pela independência da Procuradoria Europeia, o regular funcionamento do Estado de Direito, o direito que os cidadãos têm à boa administração e ao respeito pelo princípio da transparência no funcionamento das instituições que os governam”.

É verdade! Tem razão ao alertar-nos para estes valores absolutos, não fôssemos esquecer-nos deles e andarmos por aí à toa na vida! Para nos guiarmos, ainda nos aponta o seu exemplo de pessoa “cumpridora, em todos os procedimentos que adotou”. Um exemplo a seguir.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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