Breve história do Hospital da Cruz Vermelha

A venda recente à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa das acções detidas pela CVP afastou o pior cenário e elevou o patamar de esperança desta instituição centenária. É hora da confiança.

A Cruz Vermelha nasce, em 1859, durante a Guerra da Independência de Itália, coincidente, no plano temporal, com a época mais criativa de Verdi. A célebre ópera Um Baile de Máscaras é desse ano.

Em Portugal, a Cruz Vermelha Portuguesa (CVP) é fundada pelo médico militar José António Marques, em 1863. Os 100 anos que se seguiram são assinalados por sucessivas respostas humanitárias, nomeadamente durante a I Guerra e a Pandemia de 1918, bem como na Guerra 1939-1945 e na Guerra Colonial.

A Casa de Saúde, inaugurada em 1964, em Lisboa, tem uma história ímpar. Era, então, presidente nacional da CVP Leonardo Costa Freire, professor da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Antes de mais, há que realçar a reconhecida qualidade do Corpo Clínico da Casa de Saúde, bem como das equipas de enfermagem e do restante pessoal. A beleza do parque envolvente, associada a modernas instalações aí edificadas segundo projecto de Sebastião Formosinho Sanchez (1922-2004), logo assumiram um lugar excepcional no panorama da oferta hospitalar na capital.

A moderna Maternidade, os novos blocos de partos e cirúrgicos, tal como os quartos de internamento abertos para os esplêndidos jardins por amplas janelas e o cuidado investido no design dos interiores, eram, igualmente, sinais de distinção.

A justa notoriedade da Casa de Saúde, assim adquirida, foi, naturalmente, dilatada, em 1968, no seguimento do internamento de António Oliveira Salazar. Na ocasião, foi importado um ventilador especialmente para assistir Salazar. A suite do Piso 6 e quartos anexos, para além dos cuidados prestados a Salazar, foram palco não só de acesas disputas médicas, mas também de permanentes intrigas políticas. As primeiras, entre o neurocirurgião Vasconcelos Marques e o cardiologista Eduardo Coelho. Já as segundas foram protagonizadas por Américo Tomás em confronto com a sombra de Marcelo Caetano que pairava no ambiente conspirativo aí instalado, mas sempre sob o olhar atento da governanta Maria de Jesus Freire.

O País, quase suspenso, assistiu em directo à evolução do estado clínico do mais famoso dos doentes portugueses.

O segundo ciclo do Hospital começa em 1998, durante o mandato de Maria de Jesus Barroso Soares. Por sua iniciativa, como presidente da CVP, promoveu um vasto programa de transformações, sobretudo marcado pela criação da Sociedade de Gestão do Hospital da Cruz Vermelha, com o propósito de assegurar o seu funcionamento em apoio complementar ao Serviço Nacional de Saúde. A Casa de Saúde, nas mesmas instalações, dava lugar ao novo Hospital.

Era o tempo do XIII Governo Constitucional, chefiado por António Guterres, com António Vitorino na Defesa Nacional e Maria de Belém Roseira na Saúde.

Os primeiros regulamentos homologados foram assentes em valores humanitários, nomeadamente os lugares de topo na Administração não eram remunerados. Princípios que os gestores executivos viriam depois a modificar.

Desde 1998 e durante 20 anos, a união da gestão executiva à direcção clínica foi incessante. A produção hospitalar dependia, em grande parte, dos tratamentos realizados no âmbito de acordos com o Estado. Com resultados positivos, sublinhe-se, em particular para a tesouraria do Hospital.

Porém, a interrupção desses acordos, a partir de 2014, ditada pelo Tribunal de Contas e, também, administrativamente, pelo Governo, no contexto da austeridade imposta pela troika, está na origem da evolução negativa do passivo e do elevado endividamento bancário.

A evolução negativa do passivo global passou a constituir motivo de justa preocupação.

As contas negativas colocam, assim, em risco o futuro. É preciso tomar medidas. Proteger o Sector Social. Urgente.

Mas, em Dezembro de 2020, a transformação da composição da Sociedade Gestora, traduzida pela venda à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa das acções detidas pela CVP, afasta o pior cenário. Eleva o patamar de esperança. Aliás, era essa, também, a mensagem de Verdi em Um Baile de Máscaras, apesar da atmosfera revolucionária da época e do ambiente conspirativo. Ópera que glorifica a esperança como certeza de acontecer.

Ora, é a rota. A esperança. A confiança. A resposta social. Essa é a missão da CVP e do Hospital.

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