Consenso (para já) entre os partidos na nova Lei do Clima

Durante o debate, o ministro do Ambiente anunciou a decisão do Conselho de Ministros de avançar com um projecto-piloto que pretende medir o impacto climático dos diplomas legais. PS aceita reduzir para cinco anos o prazo para acabar com apoios aos combustíveis fósseis

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Cheias, secas, erosão costeira e perda de produtividade são alguns dos efeitos que Portugal irá sentir ainda mais por causa das alterações climáticas Anna Costa / Publico

As duas horas e meia previstas para o debate sobre os oito projectos de lei para a futura Lei do Clima acabaram por se transformar em três, com um anúncio pelo meio do ministro do Ambiente e da Acção Climática (AAC). No plenário da Assembleia da República, João Pedro Matos Fernandes deu conta da aprovação, pelo Conselho de Ministros, de uma resolução que cria um projecto-piloto que avaliará todos os diplomas legais à luz do impacto climático. Já os oito projectos de lei que estão em cima da mesa vão passar, sem votação, à discussão na especialidade.

Estava previsto que as propostas do PS, PSD, Bloco de Esquerda, PCP, PAN, Os Verdes, e as deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues fossem votadas esta sexta-feira, mas as forças políticas concordaram que todos os documentos descessem directamente à Comissão do Ambiente, Energia e Ordenamento do Território, para que não se corresse o risco de algum dos projectos ser chumbado, perdendo-se, assim, a possibilidade de fazer um documento comum o mais abrangente possível. 

“É importante haver um consenso o mais alargado possível, capaz de sobreviver a ciclos políticos, e quisemos dar este sinal de não haver qualquer proposta excluída à partida”, disse ao PÚBLICO André Silva, do PAN que, em conjunto com o PS, pediu o agendamento potestativo da discussão desta tarde. 

A disponibilidade para que houvesse consenso, e para que os proponentes dos projectos de lei alterassem alguns dos pontos das propostas na discussão na especialidade foi, aliás, uma constante ao longo de todo o debate. E o primeiro a questionar essa disponibilidade para alterações foi, precisamente, André Silva, que quis saber se o PS equacionava a possibilidade de mudar o prazo previsto para acabar com os apoios aos combustíveis fósseis. “A nossa proposta é para que acabem em 2022, a vossa é daqui a dez anos. Reconsidera recuar neste período de forma significativa?”, perguntou. 

O socialista Hugo Pires disse que sim, e com uma oferta generosa: “Podemos adiantar que estamos dispostos para reduzir esse prazo para metade. Para início de conversa, podemos reduzir de dez para cinco anos”, disse. 

Ao longo do debate foram vários os deputados a salientar que todas as propostas tinham “aspectos positivos” e a procurar abrir caminho à aprovação de pontos das suas propostas na discussão que se seguirá. Como Fabíola Cardoso, do BE, que pediu ao PAN para apoiar a sua proposta para que os ambientalistas e activistas do ambiente tenham “protecção jurídica” - André Silva disse que sim, embora afirmando que esse tema será proposto no âmbito de uma outra iniciativa legislativa do partido. 

Noutros aspectos, contudo, ficou claro que não será possível chegar a um consenso. Como a recusa do PCP em aceitar o princípio do “poluidor-pagador” e a lógica inerente aos mercados do carbono, ou a vontade dos partidos de esquerda de verem criada uma empresa pública de energias renováveis.  

Num ambiente de maior cordialidade do que de combate políticos, e em que todos os intervenientes salientaram a urgência em agir, perante a “emergência climática”, as críticas foram, sobretudo, para aqueles que não contribuíram para a discussão - o Chega nem sequer esteve presente no plenário -, ao não apresentarem qualquer proposta. “À excepção do PSD, a direita não apresentou qualquer proposta. E isto diz muito da importância que o CDS, o Iniciativa Liberal (IL) e o Chega dão ao maior desafio que a humanidade enfrenta”, disse Fabíola Cardoso, do BE.

Ausente do debate, André Ventura, do Chega, nem teve oportunidade de responder, mas os representantes do CDS-PP e do IL, que intervieram no debate, optaram por não apresentar qualquer justificação para a ausência de propostas - apesar de João Cotrim de Figueiredo, do IL, não se ter abstido de criticar as propostas apresentadas, afirmado que “um assunto tão sério não merecia ser tratado como mero cavalo de Tróia, de introdução de políticas estatizantes”.

Os documentos seguem, assim, para a discussão na especialidade, onde será necessário desatar vários nós na busca de um documento comum. O PSD, por exemplo, optou por não incluir no seu projecto de lei qualquer medida de adaptação às alterações climáticas, ao contrário das outras forças políticas. 

Na resposta de Luís Leite Ramos a esta “lacuna” percebe-se um conceito distinto do que deve ser a futura Lei do Clima, uma vez que o social-democrata explicou que, no PSD, se entendeu que “a lei de bases deve enquadrar e criar os mecanismos necessários para implementar políticas, não é ela que define políticas”. Outro tema que deverá levar a muita discussão é o peso do Estado nas futuras políticas e a forma como o sector privado, incluindo o agro-pecuário, será incluindo no processo.

Durante o debate, o ministro do Ambiente garantiu que a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia (UE), que arrancou no início do ano, vê como “provavelmente a actividade mais relevante” que terá, a aprovação da Lei do Clima da UE. E anunciou aos deputados que o Conselho de Ministros aprovou, nesta quinta-feira, um projecto-piloto, com a duração de um ano, que tem como objectivo medir os impactos climáticos das medidas legislativas que venham a ser adoptadas. 

Em comunicado conjunto, Matos Fernandes e a ministro do Estado e da Presidência, Mariana Vieira da Silva, explicam que esta Avaliação de Impacto Legislativo na Acção Climática irá ser integrada no sistema já existente de Avaliação Prévia de Impacto Legislativo, funcionando como uma espécie de semáforo. As propostas que receberam sinal verde estão alinhadas com a política climática e os objectivos de neutralidade carbónica, as que tiverem sinal amarelo, precisam de algumas correcções e as que forem identificadas com o sinal vermelho deverão ser aperfeiçoadas. 

Satisfeito com o debate em curso, Matos Fernandes disse ainda que foi “absolutamente intencional” não existir a previsão de uma Lei do Clima no programa do Governo, apesar de constar do programa do PS. “Foi absolutamente intencional, porque entendemos que a produção de uma Lei do Clima devia nascer nesta casa, com o contributo de todos os partidos e uma perspectiva de longo prazo”, afirmou.​

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