Lisboa, Menina e moça?

Fernando Medina, o mesmo que esteve presente na Basílica e que escolheu emblematicamente Menina e moça como hino de Lisboa, transformou-a numa ‘mulher’ falsa, alienada pela cosmética e roubada da sua Alma.

Sim, estiveram lá todos. Na Estrela. Numa paradoxal despedida e homenagem ao desaparecimento desse símbolo e grande representante de uma Lisboa, agora também, desaparecida.

“Todos” refere-se aos responsáveis pelo desaparecimento dessa mesma Lisboa, cantada e vivida por Carlos de Carmo. “Paradoxal” refere-se à eleição de Menina e moça para hino oficial de Lisboa.

António Costa, Fernando Medina e Manuel Salgado, por ausência de visão estratégica, de planeamento e decisão política, foram os responsáveis pelos desequilíbrios urbanísticos, sociais e humanos na cidade e pelo consequente desaparecimento das vivências humanas, rituais quotidianos e todas as presenças que garantem a Identidade de uma Verdadeira e Autêntica cidade.

Carlos do Carmo, no seu conceito de ‘Homem na Cidade’, representava uma noção de Cosmopolitismo, ainda totalmente em equilíbrio com a Alma de Lisboa.

Seria hoje possível a Ary dos Santos, Paulo de Carvalho, Fernando Tordo habitarem e encontraram-se no 23 da Rua da Saudade a fim de criarem o Menina e moça, hino tão valorizado agora a posteriori por Medina?

Numa Lisboa esvaziada dos seus habitantes num erosivo e falso cosmopolitismo, e que assiste a uma irreversível transformação num ‘lugar’ onde há cada vez mais ‘gente’ e cada vez menos lisboetas.

Devido ao flagelo corona estamos a assistir a uma pausa, mas devido à total dependência económica do turismo, todos anseiam pela retoma das avalanches de gentes de passagem que, enganados, vêm em busca de Autenticidade, mas só encontram Cenário. ‘Estes’ condenados a confraternizarem exclusivamente com outros enganados, dentro da síndroma ‘turista encontra turista’.

Os episódios e os casos sucedem-se na confirmação deste processo imparável de autodestruição.

O bloco do Bar Americano. Mais um hotel. O bloco da Confeitaria Nacional. Mais um hotel. O bloco da Suíça no Rossio. Um centro comercial.

E tudo isto apresentado sobre o álibi de preservação do Património, com argumentos da salvaguardada memória e identidade de Lisboa.

Fui pioneiro da defesa das lojas tradicionais da Baixa (Carvalho, António Sérgio Rosa de, “As lojas tradicionais da Baixa. Desafios presentes e futuros”, in Mateus, João Mascarenhas (coord.), Baixa Pombalina: bases para uma intervenção de salvaguarda, Câmara Municipal de Lisboa, Lisboa, 2005, p. 94.), mas com a instituição das Lojas com História, num processo que apenas distribuía placas prestigiantes, mas que se recusava a discutir as condições sociais, demográficas e comerciais capazes de garantirem a sobrevivência das mesmas, num processo artificial e sem fundamento, não escondi o meu cepticismo

A Confeitaria Nacional era um dos grandes exemplos de uma óptima intervenção de salvaguarda de interiores realizada entre 1999 e 2002, o que levou precisamente à utilização do notável primeiro andar como restaurante.

No seu funcionamento quotidiano, a Confeitaria Nacional representava precisamente um equilíbrio entre utilizadores locais e visitantes estrangeiros. O tal Cosmopolitismo, ainda equilibrado, do ‘Homem na Cidade’.

Fernando Medina, o mesmo que esteve presente na Basílica e que escolheu emblematicamente Menina e moça como hino de Lisboa, transformou-a numa ‘mulher’ falsa, alienada pela cosmética e roubada da sua Alma. 

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