Nova lei não impede duplicação das penhoras de contas bancárias pelo fisco

Contribuintes ganham mais garantias, mas a repetição de pedidos para cobrar a mesma dívida mantém-se. Numa situação limite, os funcionários do fisco poderão ir aos bancos executar as penhoras presencialmente.

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A proposta do ministério liderado por João Leão desagrada à banca Nuno Ferreira Santos

O Parlamento vai votar na especialidade, nesta quarta-feira, uma alteração às regras das penhoras das contas bancárias dos contribuintes com dívidas ao fisco. O Governo quer reforçar as garantias dos devedores, mas opinião bem diferente tem a associação que representa as instituições financeiras, que teme o contrário e alerta para a possibilidade de os contribuintes serem alvo de execução relativamente à mesma dívida em vários bancos ao mesmo tempo se forem clientes de várias entidades bancárias — um problema que hoje já se coloca.

O Governo quer deixar expresso na lei que, quando o fisco dá a ordem da penhora bancária, notifica o banco de forma digital, através de uma de duas formas: por “transmissão electrónica de dados” para o domicílio fiscal digital do banco ou na sua “área reservada do Portal das Finanças”.

Além de ter de indicar qual é o limite máximo a penhorar, o fisco deve referir na notificação que as quantias a penhorar “ficam indisponíveis desde a data da penhora”, salvo nos casos em que a lei acautela determinadas situações. Essa apreensão é válida até um ano, embora possa ser renovada.

O banco tem dez dias (contados da penhora) para cumprir dois passos: comunicar ao fisco “o saldo penhorado e as contas objecto de penhora à data em que esta se considere efectuada, ou a inexistência ou impenhorabilidade da conta ou saldo”; e entregar o valor penhorado à autoridade tributária (“proceder ao depósito das quantias e valores penhorados à ordem do processo de execução fiscal, mediante documento de pagamento obtido para o efeito no Portal das Finanças”).

Se a quantia penhorada não for entregue nesse prazo de dez dias, “a entidade é executada” no próprio processo, cabendo-lhe pagar o valor do depósito, as custas e as despesas acrescidas.

O Governo decidiu que se o saldo dos depósitos penhorados ultrapassar o valor em dívida, o fisco tem cinco dias para reduzir a penhora, indicando ao banco “o montante e número da conta onde essa redução deve ocorrer”. Ou seja, fazer a devolução.

Estando a penhora efectuada sobre o valor necessário para satisfazer o valor em dívida, a autoridade tributária “ordena, no prazo máximo de cinco dias, o levantamento das demais penhoras”.

Só que, como noticiou nesta terça-feira o jornal Negócios, a Associação Portuguesa de Bancos (APB) alerta que o contribuinte pode ser penhorado ao mesmo tempo em vários bancos.

Repetição do problema

Nos comentários à proposta de diploma, a estrutura associativa destaca que “a inexistência de uma prévia notificação de bloqueio de saldo de conta e posterior nova notificação para a penhora, conjugada com a transferência (entrega) quase imediata dos valores penhorados para o órgão de execução/exequente [fisco], não assegura o princípio da proporcionalidade e adequação da penhora (não se acautelando, assim, a impossibilidade de penhora da mesma quantia – excesso de penhora - em vários bancos simultaneamente)”.

Esse é um problema que hoje já se coloca, em que o fisco avança com o pedido para os vários bancos de que o contribuinte seja cliente, e este pode ser alvo de uma execução excessiva que depois tem de ser corrigida.

O que a proposta do Governo faz é estabelecer prazos e formas de resolver esse problema, mas, alerta a APB, o risco da multiplicação de pedidos sobre a mesma quantia continua a colocar-se.

A associação que representa o sector financeiro entende que, em alternativa, seria aconselhável que se criasse “uma única plataforma de execuções fiscais”, que, entre outros aspectos, assegure “um sistema de comunicações bidireccionais e a existência de mecanismos que minimizem ex ante qualquer excesso de penhora (efectuando-se ‘bloqueio’, e só posteriormente ‘penhora’), de forma a “minimizar, ao estritamente necessário, os sacrifícios que os actos de agressão ao património do executado poderão apresentar na respectiva esfera (assegurando-se, assim, que a entrega dos valores penhorados ao órgão de execução/exequente apenas se concretiza após decorridos os prazos de dedução de oposição à penhora”.

Entretanto, o PS apresentou uma proposta de alteração ao diploma para que o fisco possa utilizar “a Plataforma Electrónica de Registo e Transmissão de Ofícios do Banco de Portugal” — gerida pela autoridade monetária — para fazer as notificações e diligências das penhoras junto dos bancos.

Ida presencial aos bancos

A proposta de lei prevê ainda que, “a título excepcional e sempre que o interesse da eficácia da cobrança o imponha, a penhora pode ser efectuada presencialmente” por um funcionário do fisco “devidamente credenciado para o efeito”.

Em relação às penhoras, a Ordem dos Contabilistas Oficiais de Contas fez uma proposta para que o fisco promova “oficiosamente o cancelamento do registo da penhora ou de outro ónus a favor da fazenda pública” quando os contribuintes pagam a dívida de forma voluntária ou quando existe uma compensação de dívidas, porque significam a extinção da execução fiscal.

Aproveitando uma outra mudança legal, sobre as formalidades da venda nos processos de execução fiscal, a APB propõe uma alteração relativa aos benefícios para os bancos credores e para o valor do património dos devedores.

A associação alega que nas vendas promovidas nas execuções fiscais, as entidades bancárias, ao adquirirem bens penhorados, sobre os quais recai uma garantia a seu favor — como a hipoteca sobre imóveis —, não beneficiam da dispensa do depósito do respectivo preço de compra.

“Tal situação conduz, assim, as mais das vezes, a que tais credores adquirentes tenham que aguardar, durante um longo período temporal, pelo reembolso” dos créditos, reclama a APB, acrescentando que essa alteração “permitiria eliminar as actuais distorções que existem no processo, e que obrigam os credores a incorrer em custos desproporcionados e desnecessários, libertando liquidez — que ficaria, assim, disponível para o normal financiamento da actividade económica”.

A APB sustenta ainda que a alteração teria “um potencial impacto positivo no valor do património do devedor, na medida em que constituiria um incentivo aos credores garantidos para que participassem, de forma mais recorrente, no processo de venda em execução, permitindo evitar a degradação do valor dos bens penhorados, decorrente da pendência, por longos períodos, de tais processos, sem que surjam interessados na venda dos activos executados”.

Bancos querem ser pagos

Nos mesmos comentários ao diploma, a APB introduziu, “a título de mera nota (…) que os bancos são chamados a disponibilizar recursos e a incorrer em custos relevantes no âmbito da realização destas penhoras” e lamenta que a lei não preveja “qualquer contrapartida ou compensação financeira (contrastando, também aqui, o regime proposto com o previsto em matéria de execuções cíveis)”.

Com esta afirmação, os bancos consideram que, “sem prejuízo do dever de colaboração com a Justiça que a todos assiste”, há “uma crescente e significativa afectação de meios privados de produção, de apenas alguns operadores privados, à prossecução do interesse da administração pública” e defendem que “tal aspecto careceria” de “reponderação por parte do legislador”.

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