O “código genético” da igualdade

A Estratégia Nacional de Combate à Corrupção identifica, de forma muito clara, que um dos principais focos de entorpecimento no quadro das interações entre a administração pública e os cidadãos assenta na opacidade emergente de uma labiríntica e excessiva malha burocrática.

Após uma participada discussão pública do documento em que se corporiza, a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção (ENCC) 2020-2024, apresentada pelo Governo durante o segundo semestre do ano que há dias findou, foi tema de uma conferência de balanço final, que teve lugar no passado dia 24 de novembro, após o que se deverá agora seguir os ulteriores termos junto do Parlamento, pois, como se antecipara desde a primeira hora, muitas das matérias que nela se encontram plasmadas reclamam, necessariamente, a intervenção e a aprovação por parte desse órgão de soberania.

Como todos bem se recordarão, uma das mais importantes e debatidas prioridades da ENCC é a que se relaciona com a ingente necessidade de promover a melhoria do conhecimento, da formação e capacitação das pessoas e da concomitante adoção de um conjunto de práticas institucionais em matéria de transparência e de integridade.

Tal prioridade inscreve-se, aliás, no plano da concretização de um dos mais ambiciosos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas (ODS 16) e que visa, no seu essencial, a procura de sociedades pacíficas, a inclusão de todos na organização, gestão e decisão dos destinos da polis, a criação de condições que garantam uma justiça célere e ao alcance de todos e, por fim, mas não menos importante, a construção de instituições eficazes, responsáveis, transparentes e inclusivas em todos os seus níveis organizacionais e de decisão. Trata-se, inquestionavelmente, de um exigente mandato, dirigido aos diferentes Estados e aos respetivos governos e, também, ao conjunto dos cidadãos e demais entidades, públicas e privadas, sem a responsabilidade e comprometimento dos quais, note-se, nada se logrará alcançar.

Ao prosseguir o desiderato de reduzir a burocracia e de por essa via incrementar a eficiência dos serviços públicos, a ENCC identifica, de forma muito clara, que um dos principais focos de entorpecimento no quadro das interações entre a administração pública e os cidadãos que ela, em primeira linha, visa servir, assenta na opacidade emergente de uma labiríntica e excessiva malha burocrática, em que gravitam procedimentos pesados, elípticos e dissuasores da tomada de decisões conformes, tempestivas, transparentes e, sobretudo, amigas e potenciadoras de investimento.

Em lugar disso, gera-se, antes, uma atmosfera pouco ou mesmo nada recomendável, em que as “pequenas e múltiplas dificuldades do procedimento” abrem espaço à negociação criminosa de contrapartidas entre decisores e cidadãos, num clima de desconfiança recíproca e em tudo catalisador da mais profunda desigualdade entre aqueles que aceitam a remoção ilegal das dificuldades e aqueles outros que, seguindo a sua consciência, se recusam a contemporizar com a prática de esquemas legalmente ínvios e disfuncionais, recusa essa que lhes custa, é certo, na maior parte dos casos, um vergonhoso e inadmissível arrastamento das suas legítimas pretensões a uma decisão conforme, transparente e tempestiva.

Está então bom de ver que não podemos, nem devemos, em circunstância alguma olvidar que, na sua essência, o “código genético” do ODS 16 e, por identidade de razão, da ENCC que o substancia, é exatamente o mesmo que o dos seus pares, isto é, a igualdade de todos perante a lei.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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