No ano europeu da ferrovia, Lisboa é das poucas capitais que não têm comboios internacionais

Lisboa, Madrid, Helsínquia, Talin e Atenas são as capitais europeias que não têm ligações ferroviárias internacionais.

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Miguel Manso

Portugal assume a presidência da União Europeia no ano em que um acordo tripartido do Conselho, do Parlamento e da Comissão Europeia aposta no reforço dos caminhos-de-ferro declarando 2021 como o Ano Europeu do Transporte Ferroviário

Mas este é também o ano em que Lisboa está prestes a cumprir um ano como uma das poucas capitais europeias que não têm ligações ferroviárias internacionais desde que, em Março passado, foram suspensos os comboios Sud Expresso (Lisboa – Hendaya) e Lusitânia Expresso (Lisboa – Madrid).

É também um dos poucos momentos desde o século XIX em que Portugal não tem comboios directos com França e com a capital do país vizinho, o que só aconteceu por curtos períodos durante a guerra civil espanhola e as duas guerras mundiais.

A pandemia ditou a suspensão daqueles dois comboios em Março de 2020, mas desde então a maioria das ligações ferroviárias internacionais já foi resposta, com excepção das ibéricas, em grande parte devido ao desinteresse da Renfe, justificado pela falta da rentabilidade do serviço na rota Lisboa – Madrid.

Já o centenário Sud Expresso, que desde 1887 liga Lisboa à fronteira francesa de Hendaya (com correspondência para Paris), é um comboio inteiramente explorado pela CP, que também alega elevados prejuízos ao seu funcionamento, mas que precisa da “boleia” do seu homólogo Lusitânia uma vez que as duas composições seguem juntas entre Lisboa e Medina del Campo, com evidentes ganhos nos custos de exploração.

Além de Lisboa e Madrid, só Helsínquia, Talin e Atenas não têm comboios directos a ligá-las a outras capitais europeias, o que se pode explicar pela sua localização periférica. Ainda assim, Helsínquia tem ligações directas para São Petersburgo, e Madrid comboios de alta velocidade para Marselha, o que faz de Lisboa e Atenas as únicas capitais verdadeiramente isoladas em termos de transporte ferroviário internacional.

Esta situação contrasta com um dos objectivos do Ano Europeu do Transporte Ferroviário, que realça “a dimensão transfronteiriça e europeia” deste modo de transporte. Na passagem do testemunho da presidência alemã para a portuguesa, o ministro dos transportes alemão, Andreas Scheuer, disse que a “a ferrovia torna a Europa mais amiga do clima e do ambiente” e instou Portugal a “concentrar-se também no transporte ferroviário e a continuar a reforçar o sector”.

Tem um bom interlocutor do lado português, no seu homólogo Pedro Nuno Santos. “Acredito firmemente que o transporte ferroviário será o núcleo das nossas futuras redes de transporte, à medida que nos esforçamos por combater as alterações climáticas e por aproximar as pessoas de todas as geografias da Europa”, diz o ministro, para quem o investimento neste sector “desempenhará também um papel importante na nossa recuperação económica, como instrumento para uma melhor coesão social, cultural e económica.”

Portugal até pode apresentar-se consentâneo com estes objectivos tendo em conta o volume de investimento em curso no Ferrovia 2020 e as intenções expressas no Plano de Recuperação e Resiliência e no PNI 2030 para o sector, de onde se destaca uma linha de alta velocidade Lisboa – Porto com prolongamento a Vigo. Na CP, a abertura das oficinas de Guifões e a aposta em recuperar material que estava encostado, já permitiu colocar ao serviço dezenas de carruagens, automotoras e locomotivas eléctricas e a diesel. Mas o ministro que gosta de comboios está agora a tentar salvar aviões com a intervenção do Estado na TAP e não tem tempo – nem peso político - para ir mais longe na reforma do sector e impulsionar ainda mais a ferrovia.

De resto, falhou na cimeira ibérica de Outubro, na Guarda, a possibilidade de um acordo com o seu homólogo espanhol para a retoma dos comboios entre Lisboa e Madrid

E também não foi desta vez que da reunião magna entre os dois países resultou qualquer compromisso para a reabertura da ligação transfronteiriça entre Pocinho – Barca de Alva – Salamanca. A mesma que a própria Comissão Europeia considera como um dos missing links (ligações em falta) mais emblemáticos entre 365 estudados na União Europeia como geradores de mais-valias para a economia e o território.

Mais do que assegurar investimentos para a próxima década, Portugal deverá, nos próximos seis meses, dar sinais de que leva a sério o Ano Europeu do Transporte Ferroviário. Retomar as ligações internacionais e avançar com os estudos para a reabertura da linha do Douro são decisões compatíveis, no curto prazo, com essas prioridades.

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