Carta ao ministro do Ambiente, a propósito da venda das barragens da EDP

Senhor ministro, as suas reacções após as reuniões do seu grupo de trabalho em Miranda do Douro fazem-me lembrar Tomasi de Lampedusa: é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma.

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Senhor Ministro do Ambiente,

A propósito da venda de seis barragens da EDP, o senhor concedeu-nos esta semana a benesse da sua visita a Miranda do Douro, ao abrigo de um grupo de trabalho que decidiu por bem criar perante a forte reacção ao modo opaco como a transacção foi efectuada.

No seguimento de uma reunião presencial com elementos do Movimento Cultural da Terra de Miranda em Setembro passado, o senhor tinha sido alertado por escrito para a forte probabilidade de o negócio se realizar com recurso a um “planeamento fiscal agressivo” e sem acautelar a reparação dos danos ambientais que persistem após mais de cinco décadas da construção das barragens.

Foi-lhe também demonstrada a dimensão do desvio contínuo da riqueza que é criada pelo mais importante recurso económico da Terra de Miranda, de que até os impostos locais são pagos em Lisboa, por artifício permitido pelo Estado Central. A riqueza gerada em Mogadouro e Miranda do Douro, que faria deles naturalmente dois dos municípios mais ricos do país, é-lhes toda retirada, atirando-os para a lista dos mais pobres da Europa. Foi-lhe transmitido o sentimento de profunda injustiça que esta situação gera localmente e demonstrada a sua insustentabilidade e consequências nefastas para todo o país.

Pois bem, perante estes alertas e perante a oportunidade que esta transacção representa de mostrar que a “coesão” e a “aposta no Interior” propaladas pelo Governo não são palavras ocas, o senhor fez jus da máxima do Dr. Salazar, que quando queria que determinado projecto se realizasse nomeava um responsável e quando queria que esse projecto não passasse do papel nomeava uma comissão. Foi o que o que o senhor fez. Levou-nos uma mão cheia de nada e outra de cousa nenhuma.

Ainda pensei que na qualidade de detentor do mais alto cargo da República na defesa do ambiente, o senhor tivesse querido ver a pedreira a céu aberto que não deixa os Mirandeses esquecerem-se de que há ainda algo por reparar. Ou as escombreiras da construção das barragens que ficaram ao abandono. Já que nunca teve a oportunidade durante o seu Ministério de verificar no terreno as queixas dos locais, ainda alimentámos esperança de que o fizesse agora. Mas qual quê! O importante foi promover a divisão entre os autarcas e as populações locais com insinuações sobre o nosso desconhecimento das leis, nós, pobres ignaros que, pensará o senhor, estamos tão longe dos gabinetes de Lisboa.

Confesso que nunca tinha visto um governante ser tão peremptório na defesa da não aplicação de impostos. Na verdade, a questão é política e não fiscal: sendo obrigatória a aprovação do Governo para que este negócio se realizasse, o senhor poderia ter exigido que ela só se concretizasse se salvaguardadas duas condições: o pagamento dos impostos devidos sem nenhuma ajuda ao já aludido “planeamento fiscal”; a reparação de todos os danos ambientais resultantes da construção que ainda persistem. E não estaria a exigir demasiado, pois todos sabemos que a EDP pagou 680 milhões de euros pela extensão de todas as barragens quando agora, passados meia dúzia de anos, vende estas seis por 2200 milhões.

Não é o único a ficar mal nesta foto. A EDP, que faz questão de salientar na carta de princípios dos seus relatórios anuais o total respeito pelo ambiente e a salvaguarda dos interesses das populações onde detém os seus activos, “pôs-se ao fresco”, citando o Senhor Primeiro-Ministro. Não só deixou degradar um património único da arquitectura modernista no Barrocal do Douro, como não soube aproveitar os aumentos de potência das três barragens do Douro Internacional para reparar voluntariamente os danos ambientais sobejamente conhecidos de todos.

Senhor Ministro, as suas reacções após as reuniões do seu grupo de trabalho em Miranda do Douro fazem-me lembrar Tomasi de Lampedusa: é preciso mudar alguma coisa para que tudo fique na mesma. Mas engana-se se pensa que nos deixamos engodar por dez réis de mel coado.

Cidadão Mirandês

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