Tempo de lutar: por uma recuperação que não seja um mero regresso ao passado

É tempo de lutar por respostas que não deixem ninguém para trás nem sejam um mero regresso ao passado das desigualdades. Aproveitar a presidência da União Europeia para fazer diferente.

A 1 de janeiro inicia-se a presidência portuguesa da União Europeia. Não terá sido o primeiro pensamento do ano pois, apesar das 12 badaladas dificilmente acompanharem a animação do passado, os desejos de um bom ano novo nunca devem ter sido tão sentidos. No entanto, convém lembrar que uma parte considerável da resposta à crise pandémica será decidida no período de seis meses em que Portugal assume o leme da União Europeia.

O ano começa com a esperança que a vacina trouxe. Se já conseguimos vislumbrar o fim da pandemia, bem mais duradoura será a luta contra a crise económica e social. A “bazuca” europeia demorará meses a chegar aos países e, mesmo depois de desbloqueadas as várias tranches financeiras, outro tanto até se sentirem os efeitos na economia real e na vida das pessoas. O otimismo de António Costa nem sempre é positivo para o país: nas medidas de resposta à crise, o Governo tem chegado tarde e com pouco músculo.

Nas próximas semanas ficará demonstrado que, mesmo com uma profundíssima crise económica, o Governo tem apertado os cordões à bolsa. Os dados da execução orçamental assim o estão a demonstrar e, fechadas as contas de 2020, veremos que o défice ficará abaixo das previsões. Esta não é uma boa notícia – significa que o Governo subestima os efeitos económicos e sociais da crise e, por isso, não apoiou as pessoas e a economia como devia, nem investiu o necessário nos serviços públicos. O Orçamento do Estado para 2021 é filho desse mesmo erro de cálculo, como já afirmei. E, por isso, alerto: 2021 não pode ser um ano para repetir os erros de 2020. É fundamental recuperar o emprego e garantir uma economia digna, o que só será possível com um investimento público forte e decidido.

Vejamos o exemplo do Serviço Nacional de Saúde e as fragilidades que enfrenta por o Governo regatear investimentos. Os seus profissionais continuam sem carreiras dignas, o que deixa os concursos de pessoal por preencher, como se viu na recente tentativa de contratação de médicos. A promessa da valorização da exclusividade dos profissionais ao SNS teima em não sair do papel. Defender a nossa saúde é melhorar as condições dos profissionais, tornar o SNS mais atrativo, e garantir os investimentos necessários para recuperar a atividade suspensa pela pandemia.

Mas não se fica por aqui o caderno de encargos para o novo ano. A instabilidade laboral é uma ferida aberta na nossa economia. A pandemia mostrou o flagelo das vidas precárias, dos informais, a fragilidade das vidas e rendimentos de milhões de pessoas. É por elas que não podemos apenas recuperar o que já existia, temos de reconstruir fazendo melhor, assegurando direitos e salários dignos. O investimento público, seja nacional ou comunitário, deve garantir estabilidade e combater desigualdades. Superar os erros e as injustiças, conquistar um futuro melhor.

A emergência climática já fez disparar todos os alarmes, não podemos protelar as respostas. A cada dia que passa sem mudanças fundamentais, mais nos aproximamos do abismo climático. É uma irresponsabilidade manter tudo como estava. A recuperação económica também deve de ser uma resposta à crise climática, não podemos deixar as preocupações ambientais para trás. Por todos nós e, principalmente, pelos mais jovens – as novas gerações já conheceram duas crises económicas globais (a que começou em Wall Street e a decorrente da pandemia), já sofreram nos seus direitos e carreiras prejuízos para muitos anos, não é aceitável que ainda sejam condenados a sofrer com crises ambientais.

A reação da União Europeia a estas emergências tem sido parca, ou mesmo má. Sabemos como Bruxelas diaboliza direitos laborais e prefere conjugar a flexibilidade com a precariedade, ameaçando os países a cada conquista nacional dos trabalhadores. Não ignoramos que tem sempre na manga a ameaça do défice para pressionar negativamente os serviços públicos. E, apesar de propagandear preocupações ambientais, quando chega a hora da verdade não consegue virar a página das energias fósseis – exemplo disso foi a inclusão da indústria dos combustíveis fósseis na lista dos setores elegíveis a apoios comunitários.

É por isso tempo de lutar, em conjunto, por respostas que não deixem ninguém para trás nem sejam um mero regresso ao passado das desigualdades. Aproveitar a presidência da União Europeia para fazer diferente, exigir mais responsabilidade e colocar na agenda os valores que nos garantam a prosperidade desejada.

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