Voar infectado com covid-19 não é só negligente. Também pode ser mortal, alertam médicos

Desde o início da pandemia já se registaram mortes a bordo de aeronaves devido a crises respiratórias de pessoas com o vírus. Alteração da pressão de ar provoca níveis perigosamente baixos de oxigénio no sangue.

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Reuters/CARLO ALLEGRI

Quem entra num avião durante a pandemia pode considerar pouco provável que alguém infectado com o novo coronavírus consiga chegar a bordo. Mas a realidade é que há pessoas infectadas a entrar nas aeronaves, pondo os restantes passageiros em risco de contrair o vírus. Além do perigo que os passageiros infectados representam para os que estão à sua volta, também existem riscos para a própria pessoa. Os médicos dizem que voar é uma actividade de alto risco para os infectados com covid-19, devido à baixa pressão de ar no interior da cabine, e que muitos passageiros já morreram por causa disso.

Um homem infectado com o novo coronavírus que morreu de falha respiratória aguda, num voo da United Airlines que partiu de Orlando, EUA, com destino a Los Angeles no dia 14 de Dezembro, não foi a primeira pessoa a morrer de covid-19 num avião. Em Outubro, uma mulher do Texas morreu da doença num voo da Spirit Airlines, desviado quando a passageira foi encontrada inanimada e sem respirar. Em ambos os casos, as vítimas receberam manobras de reanimação no avião, mas não foi possível ressuscitá-las.

O problema clínico mais provável em ambos os casos, notam os médicos, relaciona-se com a baixa pressão de ar – normal nas cabines dos aviões – que provoca níveis perigosamente baixos de oxigénio no sangue em pessoas com problemas respiratórios. A covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, é uma doença respiratória que ataca muitas vezes os pulmões e o coração.

Nicholas Hill, director do serviço de pneumologia no Centro Médico de Tufts, em Boston, EUA, diz que “não há dúvida” que a climatização no interior das cabines dos aviões significa um risco para os passageiros com covid-19 e que voar foi provavelmente um factor na morte dos passageiros infectados com o vírus.

“Se entrar num avião com covid, ou qualquer outra [doença] relacionada com o sistema respiratório, estará sujeito a um risco maior quando aumenta a altitude”, afirma Hill. “Isto não é algo exclusivo à covid: é igual para qualquer um com uma doença respiratória aguda. A mudança no oxigénio pode causar crises no ar.”

As cabines do avião são pressurizadas para que os passageiros consigam respirar em altitudes superiores a 30 mil pés, mas a pressão de ar no interior da cabina ainda é 25% mais baixa do que ao nível do mar. Há muito que voar provoca crises médicas a pacientes com complicações respiratórias. A covid-19 não é diferente: voar infectado pode ter um impacto nos níveis de oxigénio no sangue que requer atenção médica imediata.

David Freedman, epidemiologista na Universidade do Alabama em Birmingham, EUA, diz que pacientes infectados com covid-19 têm o mesmo risco de impacto respiratório que pessoas com doenças nos pulmões e coração. As companhias aéreas estão preparadas para este tipo de emergências com oxigénio a bordo. “A concentração de oxigénio [em aviões] é muito menor do que no solo, e todos os pacientes com doenças severas nos pulmões ou coração sabem disto e sabem que precisarão de oxigénio adicional a bordo, mesmo que não necessitem dele no dia-a-dia”, explica Freedman. “Todos os aviões têm uma botija de oxigénio a bordo por causa de emergências como estas.”

A companhia Delta Air Lines diz que as emergências respiratórias representam 10% de todas as ocorrências médicas durante os voos, e que todas as aeronaves estão equipadas com oxigénio.

Todos os assistentes de bordo recebem anualmente formação em primeiros socorros, afirmou Taylor Garland, porta-voz da união sindical da Associação de Hospedeiros de Bordo, ao The Washington Post. Também a tripulação tem um contacto próximo com as equipas médias no solo que podem acorrer à aeronave, em caso de uma aterragem de emergência.

Mas esses esforços não foram suficientes nas mortes de Outubro e Novembro. Hill diz que os passageiros não precisam necessariamente de sentir falta de ar antes da descolagem para terem dificuldades respiratórias durante o voo. Os níveis de oxigénio no sangue podem ser baixos em pacientes com covid-19 que não sintam dificuldades respiratórias, tornando o embarque – mesmo que a pessoa ainda não manifeste sintomas ou seja assintomática – uma aventura de risco.

No início da pandemia havia descrições de pessoas com hipoxia alegre, pacientes covid que entravam com níveis de oxigénio muito baixos mas não tinham falta de ar”, diz Hill. “A maioria das pessoas com níveis de oxigénio baixos também se queixam de falta de ar, mas é possível que não existam esses sintomas numa fase inicial.”

No voo de Outubro da Spirit Airlines, um membro da tripulação que prestou primeiros socorros à mulher inanimada desmaiou de exaustão, de acordo com The Washington Post. Os passageiros nunca foram avisados pelos responsáveis dos rastreios de contactos de risco de que existia um caso de covid-19 a bordo do avião.

Tony Aldapa, um trabalhador de saúde que estava no voo de 14 de Dezembro da United e fez compressões ao peito do homem inanimado, revelou que na semana passada começou a sentir sintomas da covid-19 após ter ajudado a tripulação de bordo com os primeiros socorros. Nos primeiros dez dias após o voo, não foi notificado quanto à sua exposição ao vírus pela equipa de rastreio de contactos.

“Sabia que estávamos muito longe do local onde precisaríamos de aterrar e a reanimação é cansativa com uma ou duas pessoas. Até com três ou quatro não é uma coisa fácil de se fazer”, disse Aldapa, 31 anos, que falou ao Seattle Times sobre o incidente. “Independentemente da covid-19… ele precisava de primeiros socorros para sobreviver.”

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