“Estava uma pilha de nervos”: o testemunho de Catarina, que aos 21 anos já tomou a vacina (e lidou com uma pandemia)

Catarina Coelho é auxiliar de acção médica no Hospital de São João, no Porto. Neste domingo, 27 de Dezembro, menos de um ano depois de iniciar a sua carreira, foi uma das 2125 pessoas vacinadas contra a covid-19. Este é um testemunho na primeira pessoa de alguém que teve de lidar com os receios de ficar infectado e decidir se queria (ou não) tomar a vacina.

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Daniel Rocha

“Entre o dia em que me ofereceram a vacina e em que fui efectivamente vacinada passou-se menos de uma semana. Era segunda-feira e estava de folga. Ligaram-me a dizer que tinha um prazo de meia hora para dizer se queria ou não receber a vacina. Não tive muito tempo para pensar se sim ou se não, mas acabei por pedir que colocassem o meu nome na lista dos ‘sins’. Quando se começou a saber que a vacina estava a chegar tive algum receio, confesso. Sou asmática e tenho muitas alergias e dizia-se que pessoas com panoramas parecidos com os meus não se tinham dado muito bem.

A minha carreira foi praticamente marcada pela pandemia. Ainda não tinha feito um ano no meu posto de trabalho quando tudo isto começou. Foi um choque. Não estou arrependida de ter começado a trabalhar logo naquela altura, mas também admito que não estava à espera de ter de enfrentar tudo isto com tão pouco tempo de profissão.

Para saber se era seguro tomar a vacina tendo em conta o meu quadro, falei com a minha médica de família e com outro médico cuja esposa é pneumologista. Ambos disseram que tomar era muito mais seguro do que ficar infectada. 

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Catarina é auxiliar de acção médica há pouco mais de um ano. DR

O dia de domingo foi uma loucura. Recebemos uma mensagem a indicar uma hora específica, não podíamos ir quando quiséssemos, e estava tudo muito bem organizado. Depois de passarmos os portões e chegarmos ao local que nos era indicado, uma enfermeira dava-nos uma folha com todas as informações do antes, o durante e o pós-vacina. Também continha todos os contactos de que poderíamos precisar, tanto da Linha de Saúde 24 como do hospital, que tem uma equipa própria só para lidar com pessoas que tenham reacções.

Também tivemos de colocar algumas informações nossas num papel: se tínhamos problemas de coagulação, se tínhamos sido transplantados, entre outras. Depois disso recebemos uma senha para entrar num dos 27 gabinetes onde a vacinação estava a decorrer e foi só esperar e entrar.

A enfermeira que me vacinou disse que ia sentir um frio, uma espécie de formigueiro, já que a vacina tinha sido armazenada a uma temperatura muito baixa. Disse-lhe que tinha asma e ela referiu que podia sentir mais falta de ar do que o costume, mas que não devia ser algo preocupante. É uma vacina [dada com uma agulha] muito fininha, quase não se sente, o que chama mais à atenção é a sensação fria no braço.

Depois tivemos de estar 30 minutos numa sala, uma espécie de recobro. As reacções mais graves apareceram ao fim de 15 a 20 minutos, por isso é que temos de esperar meia hora, para verem se está tudo bem. Caso esteja, e no meu caso estava, podemos ir embora. Também nos dão um pequeno cartão para apresentarmos quando formos tomar a segunda dose, que no caso de quem foi vacinado neste domingo acontece no dia 17 de Janeiro

Estava muito receosa, uma pilha de nervos. Era a primeira vez para todos porque o meu grupo de colegas foi vacinado quase todo ao mesmo tempo. Não conhecia ninguém que já tivesse tomado, por isso não podia perguntar como se sentiram, como era. Naquela hora só estava a rezar para que nada de mal acontecesse e felizmente não tive reacções até agora, só uma ligeira dor no braço, mas é normal.

Acho que agora, mais do que nunca, temos de ter esperança. Estivemos tanto tempo à espera da vacina e agora ouvimos muitas pessoas a dizer que não a querem tomar. É verdade que não sabemos como vai ser daqui para a frente, mas se não a tomarmos as coisas vão continuar iguais. Receber a vacina foi como ver uma luzinha ao fundo do túnel. Claro que ainda vai demorar bastante até que as coisas normalizem, o vírus vai andar aqui ainda durante mais algum tempo, mas sempre dá para nos sentirmos mais seguros.

Do fim do curso à unidade de covid-19

Terminei o curso profissional e comecei logo a trabalhar. Nunca estive noutro sítio que não aqui e nem sequer cheguei a fazer estágio, porque quando apareceu uma bolsa candidatei-me de imediato. Como sou jovem, fiquei logo colocada. A única experiência que tenho é esta.

No meu serviço normal trabalho com doentes que foram submetidos a um transplante de células. Como os doentes são todos neutropénicos e imunodepressivos, não podemos deixar o vírus entrar porque é um risco muito grande. Tinha de ter o dobro dos cuidados.

Quando estive na enfermaria dos doentes covid-19, em Março, tinha de me equipar da cabeça aos pés, nunca podia entrar nos quartos só com a minha farda. O meu trabalho resumia-se a auxiliar os doentes no banho, ajudar os que precisavam de tomar medicação, fazer-lhes as camas de lavado, preparar-lhes as partes das refeições que não vêm preparadas da cozinha. Também tinha de ajudar os enfermeiros com material ou equipamentos de protecção individual ou levar os testes dos doentes, que os fazem de cinco em cinco dias para ver se já estão negativos. Fora da enfermaria éramos nós que limpávamos sempre o chão. Cada vez que sai alguém de um quarto é preciso limpar com água e lixívia para não haver possível contaminação.

Terminado o mês de Março acabaram por nos colocar nos nossos serviços, depois de uma colega ficar infectada. Havia um medo geral, uns tinham receio de adormecer os filhos pequenos, outros de abraçar os pais. Eu vivo com a minha avó de 87 anos, pais e irmã, então evitava estar em casa. Tinha muito trabalho porque precisava de equilibrar os meus turnos com o trabalho na área covid-19, mas mesmo assim, quando não estava a trabalhar, evitava estar perto de outras pessoas. Dada a quantidade de equipamento que colocamos, acredito que o risco de contágio seja mínimo, mas a partir do momento em que uma colega ficou infectada ficámos com mais receio. 

Outra das partes mais difíceis é ver os nossos doentes sem visitas, às vezes durante meses. Acabamos por ser a família deles em certos momentos, mas não chega. Alguns que estavam pior nem visitas no Natal tiveram. É por isto que digo que a vacina tem de ser uma esperança.”

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