Depois do mindfulness chegou o dance fulness

A Companhia Amalgama é pioneira nesta prática em Portugal.

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O termo mindfulness já faz parte do léxico e da rotina de muitos portugueses, mas o dance fulness (assim, separado) ainda só integra a vida de alguns. Uma minoria que o deve a Alexandra Battaglia, directora da Companhia Amalgama, que deu nome e palco a esta forma de dança. Neste caso, foi pioneira, em Portugal, ao criar a primeira edição de um curso que superou as expectativas, obrigando-a, em plena pandemia, a pensar numa segunda edição, refere a responsável.

Ensinar a dar os primeiros passos é algo a que Alexandra Battaglia está habituada. Ao longo de 40 anos de ensino, tem formado pessoas de todas as idades. As dinâmicas que desenvolveu para um curso de Programação Neuro-Linguística, “deixaram nalgumas alunas a vontade de mergulharem mais no corpo dançante” e assim surgiu o desafio, que viria a dar origem ao dance fulness. Foi-lhe pedido que criasse um curso de dança e de mindfulness. Na altura, reflectiu sobre onde é que os dois se cruzavam e concluiu que, para “os praticantes de mindfulness, era mais fácil estar presente no ‘aqui e agora’ se se focassem no corpo”. 

Na prática, o dance fulness não é mais do que “um trabalho, dentro da área da dança, de consciência e presença plenas, onde não há divisão entre a mente e o corpo, que é a casa, o templo”, define a professora. “O que os alunos fazem é praticar a capacidade de estarem presentes, através do corpo, sobretudo, do fluxo e do processo dançante.” O curso intensivo, de 120 horas, tem aulas práticas e teóricas e está dividido em dois níveis. “Tentamos trazer matérias de reflexão sobre estas temáticas, pois só há conhecimento quando há integração da informação”, esclarece. Os preços variam entre os 370 e os 400 euros por módulo e o segundo nível tem certificação.

Dançar faz bem à saúde

Bailarina, coreógrafa, produtora, investigadora e professora, Battaglia garante que a dança “pode chegar a lugares muito profundos na formação de um ser humano: contribui para valores, para a consciência de si próprio, para o fluxo criativo, para a limpeza de toxinas do corpo e ajuda na capacidade de expressão”. Mais: “Está mais do que provado, cientificamente, que as pessoas que dançam produzem uma quantidade de neurónios acima do comum e portanto, isso influencia o processo cognitivo.” E essa tem sido a aposta da Amalgama, onde há danças para toda a gente, incluindo adultos que nunca dançaram: body work, técnicas de dança clássica dança contemporânea, sevilhanas, flamengo, entre outros. Ali, não há tabus. 

Como companhia de dança, a Amalgama não fez um caminho tradicional. No primeiro ano, em 2001, teve o apoio da Escola de Medicina Tradicional Chinesa (EMTC), em Lisboa, e durante nove anos, as duas coexistiram, partilhando práticas orientais e filosofias taoistas, usando-as nas suas práticas de aquecimento e coreográficas, por exemplo. Em 2011, trabalhou com o Instituto Cultural de Macau na direcção artística de projectos locais e participou no Festival de Artes de Macau. Outro pilar que marcou a identidade da companhia foi o Convento de S. Paulo, no Redondo, que acolheu a Amalgama como segunda casa — “em plena fusão com a natureza. Estávamos horas em silêncio. Aí aprendemos o que é o silêncio profundo, o habitar o corpo, o habitar o movimento, o estar em ligação profunda sem ter de dizer nada. Isso marcou uma das essências fundamentais do nosso trabalho e continua a marcar”, revela Battaglia.

Espectáculos itinerantes ao ar livre e em fusão com o património fazem parte do ADN da companhia. “Tivemos as chaves do Convento de Cristo, em Tomar, durante 15 dias e dormimos lá. Fomos a primeira companhia e talvez a única a fazer espectáculos nocturnos no Palácio da Pena, em Sintra e a levar a dança para a Quinta da Regaleira”, enumera, orgulhosa, a directora. “Essa é a nossa essência, sempre trabalhámos, directamente, com a natureza: pés descalços, em gravilha, em terra ocre, no meio da água. Penso que somos a única companhia, em Portugal a fazê-lo. Para nós o corpo é visceral, é parte da natureza.” Foi também a primeira a trabalhar com a Liga Portuguesa de Deficiência Motora, tendo feito o primeiro espectáculo de dança inclusiva, na Culturgest, em Lisboa.

E o público agradece? “O que acontece, muitas vezes, é que há um silêncio profundo no final dos nossos espectáculos. Esse silêncio mostra a profundidade com que o público faz parte do acto criativo, é parte da nossa respiração, dos corpos dançantes, é parte do processo que está ali a acontecer. E só mais tarde vêm as palmas de ovação. Às vezes, uma lágrima, um sorriso não dizível. Esse é o lugar onde a arte é canal único e privilegiado”, conclui.

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