Dia 132: Que as minhas amigas possam ser avós

As previsões são de que 2021 tenha uma taxa de natalidade ainda mais baixa do que até aqui. E já era baixa, equilibrada apenas pelos bebés de mães imigrantes, e também essas ou deixaram Portugal ou, tendencialmente, também engravidaram menos.

Foto
@designer.sandraf

Querida Ana,

É dia de desejos para o próximo ano e lá vão vocês troçar de mim quando dedicar algumas das minhas 12 passas àqueles que estão sozinhos, na esperança de que encontrem a alma gémea em 2021. É assim uma espécie de Tinder do tempo da Idade da Pedra.

Mas nos últimos anos, a coisa agravou-se e como uma passa por cada uma das minhas amigas que ainda não tem netos. Ana, repara na gravidade do fenómeno: não peço filhos para os filhos delas, peço que tenham directamente netos, como se os filhos fossem meras barrigas de aluguer porque o que me importa é que as minhas amigas possam ser avós. Achas que já se pode classificar como senilidade?

E o pior é que suspeito que isto não vai lá com passas. Ao contrário da profecia que fizeste nestas Birras de Mãe, a pandemia não resultou num baby boom de primeiros filhos, nem isso, e as previsões são de que 2021 tenha uma taxa de natalidade ainda mais baixa do que até aqui. E já era baixa, equilibrada apenas pelos bebés de mães imigrantes, e também essas ou deixaram Portugal ou, tendencialmente, também engravidaram menos.

Tenho plena consciência de que o cenário de crise económica torna ainda mais difícil este salto de esperança que é sempre uma gravidez, mas nunca me esqueço de um artigo que li há uns anos em que uma executiva de topo norte-americana dizia que tinha tido sempre muita consciência do seu próprio relógio biológico, mas que se tinha esquecido completamente que o dos pais dela também “tique-tava”. Resultado, quando finalmente decidiu ter um filho, o bebé já não tinha avós, e ela sentia-se tão horrivelmente sozinha porque imaginara sempre que criaria aquela criança com a presença e o apoio dos pais. Por isso, Ana, hoje à noite vou continuar a dedicar meia dúzia de passas a este assunto.

Feliz Ano Novo, minha querida filha.


Querida Mãe,

Tenho quase a certeza absoluta de que no Grande Livro dos Mandamentos das Passas do Ano Novo os desejos só podem ser para nós próprios! Seria um perigo deixar que os outros desejassem coisas para nós. Imagine o que seria as filhas das suas amigas a engravidarem todas ao mesmo tempo sem quererem?

Mas espere, mãe, para além de odiar passas — e por isso, sigo o Grande Livro dos Mandamentos dos 12 Chocapics —, também odeio resoluções de Ano Novo. Aliás odeio o Ano Novo em si. Primeiro, porque todas as mães sabem que o ano começa em Setembro. Segundo, se é para celebrar a passagem de mais um ano inteiro, lembrando-nos que não só estamos a envelhecer a olhos vistos, como a aproximarmo-nos mais da morte, então que pelo menos a coisa meta presentes. Pronto, avisei que era o Grinch do Réveillon.

Enfim, voltando ao seu desejo “nada-louco-nem-a-precisar-de-uma-boa-psicoterapia” de povoar este país de bebés, acho muitíssimo bem. Entretanto, prometo que vou reencaminhar esta carta aos meus irmãos.

Beijinhos.


No Birras de Mãe, uma avó/ mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, vão diariamente escrever-se, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. Na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. Facebook Instagram.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários