Vítor Poças: Ajudar empresas a suportar aumento do salário mínimo “é uma falácia”

“Não aceito que o Governo me dê com uma mão e tire com a outra”, afirma o presidente da Associação dos Industriais de Madeira e Mobiliário. Vítor Poças alerta que a ajuda do Governo para suportar os encargos com a Taxa Social Única “não é economicamente eficiente”.

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Nelson Garrido

“Estamos perante um aumento do salário mínimo nacional de 4,7%, próximo dos 5%. No cenário que vivemos, é impossível, no próximo ano, fazer repercutir no preço dos produtos que vão ser produzidos e comercializados pelo nosso sector um aumento dos encargos salariais nessa percentagem.”

A afirmação é do presidente da Associação dos Industriais de Madeira e Mobiliário de Portugal (AIMMP), que representa um sector com cerca de 6000 empresas, que representam cerca de 55 mil postos de trabalho directos, desde o corte, abate, serração e embalagens de madeira (primeira transformação) aos painéis, apainelados, derivados de madeira e energia de biomassa (segunda transformação), assim como as carpintarias e indústrias afins (fábricas de urnas, portas, mobiliário de exterior, etc.) e toda a divisão de mobiliário e afins. Em 2019 atingiram 2,6 mil milhões de euros de exportações num universo de mais de 3,7 mil milhões de volume de negócios.

Em declarações ao PÚBLICO, Vítor Poças diz que não é contra o aumento do salário mínimo nacional (SMN). “Todos nós, empresários, temos a noção de que o salário mínimo em Portugal vai ter de aumentar. O que não se compreende é que se aumentem os salários sem que isso seja acompanhado de um aumento da produtividade e de uma melhoria dos chamados custos de contexto, para que as empresas possam aumentar o salário mínimo e todos os outros salários”. Além de que “não existem aumentos de produtividade dessa grandeza para acomodar os tais 4,7%” de aumento do SMN.

O problema daquilo a que chama “uma medida bem vista pela população”, mas “algo eleitoralista”, é que, “em boa verdade, não vai poder ter esta repercussão nos preços dos produtos”. E, além do mais, “os salários não vão poder aumentar todos nesta proporção, porque nem este sector nem outros têm capacidade para os fazer repercutir, o que significa que vai haver salários que não vão ter o aumento de 4,7% no próximo ano”, alerta o presidente da AIMMP.

“O desempenho e a produtividade não são todos iguais”

O empresário salienta que também “estamos perante um achatamento do nível salarial, porque se os outros escalões não podem ter esse aumento, vamos começar a ter uma aproximação dos salários mais baixos aos mais elevados”. E isso, diz, “gera alguma injustiça, pois os trabalhadores não são todos iguais, as capacidades não são iguais e o desempenho e a produtividade também não são iguais”.

E há ainda outro argumento. “No meu sector não direi que se passa, mas, nos últimos cinco anos, assistimos a uma redução mais ou menos constante da produtividade de todos os sectores em Portugal”, nota, para concluir que o aumento do SMN de 635 para 665 euros “não é acomodável”. A “produtividade média nacional” das empresas “tem vindo a reduzir nos últimos anos”, reforça.

E nem a criação de um subsídio a fundo perdido que o Governo promete dar às empresas para amortecer o impacto dos encargos empresariais com a Taxa Social Única (TSU) parece convencer o presidente da AIMMP.

“O Governo vai ajudar as empresas? Mas de onde vem o dinheiro para ajudar as empresas?”, questiona, indignado, Vítor Poças, para a seguir afirmar que o dinheiro para essa ajuda aos empresários vem “dos impostos que todos pagamos”. “É uma falácia que não corroboro. Não aceito que o Governo me dê com uma mão e tire com a outra. É uma conversa oportunista esgotada, porque não é economicamente eficiente dizer que se vai aumentar o salário mínimo e dizer que se vai dar um subsídio às empresas para ajudar a suportar esse aumento. Não é forma de estar.”

“Se o Governo viesse dizer que o país cresceu em produtividade, que o país melhorou em competitividade, que vamos ter fundos comunitários para melhorar a competitividade, aí sim.” Para o presidente da AIMMP, “importante, era criar condições económicas, de ambiente de negócio e de sustentabilidade económica e financeira das empresas, para que o aumento do salário mínimo fosse uma trajectória quase natural”.

Entre 2012 e 2014 não houve aumento do SMN

Recorde-se que, entre 2012 e até Setembro de 2014, não houve qualquer aumento do salário mínimo nacional em Portugal, na sequência da assinatura do Memorando de Entendimento entre o Governo e as instituições internacionais (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).

Apenas em Outubro de 2014, findas as condicionantes que levaram à não actualização da remuneração mínima mensal garantida (RMMG), o executivo em funções iniciou um processo de diálogo com os parceiros sociais, em sede de concertação social, e o SMN foi aumentado, na sequência do acordo relativo à actualização da RMMG,  competitividade e promoção do emprego, assinado no final de Setembro desse ano.

Isso mesmo foi assinalado no documento “Salário Mínimo Nacional - 45 Anos Depois, Balanço e Perspetivas Atuais Sobre Emprego e Salários em Portugal”, produzido pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social em Julho de 2019.

De acordo com o Governo, “nos últimos quatro anos [até 2019], o salário mínimo nacional (SMN) foi aumentado perto de 19% em termos nominais”, o que se traduziu numa “valorização real próxima dos 14%, em contraste com a desvalorização real de 1,6% do SMN” verificada no período em que este esteve estagnado (entre 2012 e Outubro de 2014), e que terá afectado cerca de 400 mil pessoas.

Em 2021, o SMN passa, por decisão do Governo, de 635 para 665 euros, com o objectivo assumido pela ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho, de atingir os 750 euros em 2023. Serão abrangidas cerca de 742 mil pessoas, ou seja, “21,1% do total de trabalhadores em Portugal e cerca de 13% do total da massa salarial nacional”, disse a governante no final da reunião da concertação social do passado dia 9 de Dezembro.

O aspecto fundamental: “O poder de compra”

“No nosso sector [madeira e mobiliário], admite Poças, podemos até não ter um grande impacto negativo, porque, em média, paga-se muito acima do salário mínimo”. Contudo, o presidente da AIMMP foca-se, sobretudo, nos grupos profissionais “que ganham acima do salário mínimo”. Esses, diz, “se calhar, não vão ter um aumento de 4,7%. No seu todo, o volume salarial se calhar vai aumentar dois ou três por cento.”

Vítor Poças questiona ainda o poder de compra dos portugueses face aos europeus. “Porque é que se diz que se vai aumentar o salário mínimo se temos a energia mais cara da Europa? O nosso sector exporta muito para a Europa”, mas, em Portugal, “paga-se, por exemplo, o gasóleo e a gasolina mais caros do que em Espanha ou na Alemanha, onde os salários são muito mais elevados. Isto é que me interessa discutir. É que eu ganho 100 e pago o gasóleo a 1,30 ou 1,40 e uma pessoa na Alemanha ganha 200 e paga o gasóleo a 1,10.”

E esse “é o aspecto fundamental” na equação: “o poder de compra”, diz o presidente da AIMMP, deixando uma pergunta ao Governo: “Os senhores aumentaram em 30 euros o salário mínimo, mas conseguiram aumentar o poder de compra das pessoas?” “Não conseguiram”, responde de imediato, lamentando que apenas tenhamos “atrás de nós” na Europa, em termos de poder de compra, “a Bulgária”.

“Isto é lamentável”, diz, concluindo: “Não me venham dizer que a solução está no aumento do salário mínimo, porque se eu tiver aumento do salário mínimo mas não tiver aumento do poder de compra, não me serve de nada.”

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