Costa pôs o PS pela segunda vez fora das presidenciais

Abusando dos neologismos, o PS e Costa têm toda a conveniência em “pandemizar” as eleições presidenciais. É justamente isso que o PSD e o CDS não devem deixar que aconteça.

 1. Para todos aqueles que, como eu, no centro e no centro-direita apoiam convicta e decididamente Marcelo Rebelo de Sousa, nunca será demais denunciar o oportunismo táctico do PS em matéria de eleições presidenciais. É fundamental lembrar a mundividência de Marcelo e o seu apego aos valores do PSD, do centro e do centro-direita para que o PS e António Costa não se possam apropriar da esperada vitória do Presidente em funções.

A vitória de Marcelo será, como todas as vitórias numa eleição unipessoal, a vitória de uma personalidade. Mas será também – e isso não pode ser escamoteado – uma vitória de um bloco, de um projecto e de uma visão política. Especialmente se essa pessoa foi um militante destacado e um antigo líder partidário. Por isso mesmo, gostava de ver o PSD, a sua máquina e os seus militantes mais empenhados e embrenhados neste acto eleitoral e na respectiva campanha. Estão, aliás, muito a tempo de o fazer e devem fazê-lo sem cerimónia nem pruridos.

Compreende-se perfeitamente que o Presidente recandidato queira pairar acima dos partidos e, no presente contexto pandémico, aposte numa campanha suave e de baixo perfil. Mas o PSD e a sua área política não devem baixar a guarda. É preciso lembrar que, com a reeleição de Marcelo, o PSD terá ininterruptamente, por 20 anos, um antigo líder na chefia do Estado. É um feito político de tomo, que não pode ser desprezado; num sistema semipresidencial, com eleição directa do chefe de Estado, isso não é pouco nem pode ser apoucado.

2. É evidente que ao PS e a António Costa interessa de sobremaneira desvalorizar e “neutralizar” as presidenciais, embrulhando-as nas brumas da pandemia. Abusando dos neologismos, o PS e Costa têm toda a conveniência em “pandemizar” as eleições presidenciais. É justamente isso que o PSD e o CDS não devem, em caso nenhum, deixar que aconteça. O primeiro passo para tanto é lutar contra a abstenção: a abstenção pode ser a grande inimiga de Marcelo e do bloco político de onde ele provém e será, sem dúvida, a grande amiga – a maior amiga – de Costa e do PS. Quanto mais abstenção existir, quanto mais forem “pandemizadas” as eleições, menor será a força, a autoridade e a legitimidade de Marcelo. E ao PS e ao primeiro-ministro, em início de segundo mandato, nada serve mais do que um Presidente empalidecido.

3. Costa tudo fez e tudo fará para sair destas presidenciais como não perdedor, se possível, como aliado do vencedor ou, até idealmente, como vencedor. Compete às forças que genuinamente apoiam Marcelo contrariar essa tentativa de aproveitamento. De resto, também é do interesse cardial de Marcelo que esse aproveitamento não tenha quaisquer hipóteses de sucesso. Importa, lembrar que, apesar da louvável candidatura de Ana Gomes, o PS não tem nem quis ter um candidato próprio. Porquê? Porque não tem o PS um candidato em nome próprio, forte, capaz de empunhar as suas bandeiras? Porque Costa sabe, depois longuíssimos anos de experiência, que o PS tem um problema congénito com as presidenciais. Tanto sabe que, desde que é líder, nunca foi capaz de apoiar um único candidato presidencial nem de pôr o seu partido a fazê-lo. Desde que é secretário-geral do PS que António Costa desistiu das presidenciais, renunciando sempre a fazer qualquer escolha. Como chefe, Costa pura e simplesmente retirou o PS do jogo e do mapa das presidenciais. Sob a liderança de Costa, o PS ignora olimpicamente as eleições presidenciais.

4. O trauma do PS com as presidenciais começa na Assembleia Constituinte em que Soares e o PS se mostraram relutantes em apoiar a eleição directa do Presidente, que acabaria consignada na Constituição. Logo em 1976, depois de Sá Carneiro ter antecipado o apoio ao general Eanes, o PS vê-se na contingência de parecer ir a reboque e apoiá-lo também. Já em 1980, começam as grandes fracturas: apesar de o PS apoiar oficialmente a recandidatura de Eanes, Soares retira-lhe o seu apoio pessoal e “auto-suspende-se” do cargo de secretário-geral. Em 1986, por sua vez, dar-se-á a grande ruptura, com as candidaturas simultâneas de Soares e do seu número dois (e companheiro de sempre) Salgado Zenha. O primeiro apoiado pelo PS institucional, o segundo por eanistas e comunistas.

A história foi feliz para com Soares e a sua reeleição seria pacífica em 1991. Mas em 1996, o fantasma regressa de novo: Sampaio apresenta-se como candidato à revelia do líder do partido António Guterres. A má relação entre ambos era proverbial, por Guterres ter desbancado Sampaio da liderança uns anos antes. A contragosto, Guterres apoiará Sampaio, este vencerá e será reeleito sem problemas em 2001.

A grande turbulência haveria de voltar, numa situação mais crítica, em 2006. Em 2006, porque não havia candidato incumbente, tudo estava em aberto. Mas Sócrates escolhe Mário Soares como rosto oficial do PS, o que estimula e motiva a candidatura de Manuel Alegre. Na prática, o PS tem dois candidatos, perde as eleições e o candidato oficial (com 14%) fica atrás do não oficial (com 20%). Em 2011, Manuel Alegre passa a candidato oficial do PS, mas as divisões internas canalizam muitos apoios para o independente Fernando Nobre. O primeiro terá 20%, o segundo 14%. Em 2016, já sob a liderança de Costa, abre-se uma nova oportunidade, pois o Presidente em funções não pode recandidatar-se. Mais uma vez, o PS divide-se por dois candidatos, na mesma área, optando por não apoiar oficialmente nenhum deles: Sampaio da Nóvoa (que terá cerca de 23%) e Maria de Belém (que terá pouco mais de 4%).

5. Muitos supõem que, em 2021, o PS de Costa não tem um candidato oficial, apesar da vontade de Ana Gomes, porque o Presidente em funções se recandidata e, como todos os seus predecessores, vencerá as eleições. Mas não é verdade. Também em 2016, sob a liderança de Costa, o PS não apoiou qualquer candidato. E, nessa altura, não havia incumbentes. Costa tirou ao PS o património presidencial. A persistente desistência de Costa dá que pensar.

Sim e Não

SIM Michel Barnier. O acordo comercial pós-"Brexit” deve-se à persistência, à mestria e ao zelo com que cuidou dos interesses de britânicos e europeus. Pela sua fleuma, nunca um francês pareceu tão britânico.

NÃO Ministro do Ambiente. Apesar das declarações, o massacre de animais na quinta da Torre Bela continua sob a sombra dos interesses da transição energética. Para quando um esclarecimento cabal?

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