Jovens portugueses estão a enviar menos SMS. 44% ainda acha que o telemóvel faz mal à saúde

Inquérito a 729 adolescentes mostra que muitos ainda acreditam que as radiações electromagnéticas emitidas pelos telemóveis são prejudiciais para a saúde, mas isso não faz com que os usem menos. É aos 10 anos que a maioria dos portugueses recebe o primeiro telemóvel.

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As raparigas usam mais o telemóvel que os rapazes PAULO PIMENTA

Os jovens portugueses estão a enviar muito menos SMS. Em 2019, eram enviados mais de 100 SMS por dia. Actualmente, a média ronda as 51 mensagens diárias. No entanto, os telemóveis continuam a fazer parte das rotinas dos mais novos: é aos 10 anos que a maioria dos portugueses recebe o primeiro telemóvel (alguns usam desde os cinco anos); só 0,8% não tem; e, em média, passam 33 minutos por dia em chamadas. Visitar redes sociais, usar serviços de mensagens online (Messenger e WhatsApp), navegar na Internet e ver vídeos no YouTube são alguns dos usos mais frequentes para os aparelhos.

Estes são os números sobre a utilização de telemóveis em Portugal reportados pelo mais recente inquérito do Faqtos, um projecto do Departamento de Engenharia Electrotécnica do Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, que nasceu em 2010 para informar os mais jovens sobre a radiação electromagnética que existe nos telemóveis e recolher dados sobre a forma como estes aparelhos são usados. Os questionários procuram descobrir, por exemplo, quantos telemóveis têm os adolescentes, que serviços mais utilizam e quanto tempo é que passam ao telefone.

Apesar do uso ubíquo do telemóvel, perto de 44,6% dos jovens inquiridos no ano lectivo de 2019/2020 disse estar preocupado com as radiações electromagnéticas emitidas pelos aparelhos (19,2% não tem uma opinião formada sobre o tema), mas isso não os impede de usar o telemóvel. Apenas 24% dos receosos decidiu procurar mais informação sobre o tema e a diminuição no número de SMS não está relacionada com os receios. 

“Curiosamente, o número de SMS [enviados] baixou para mais de metade atingindo o valor mais baixo de sempre”, lê-se no mais recente relatório do projecto Faqtos. “Esta redução estará eventualmente relacionada com a disponibilização por parte dos operadores de tarifários com pacotes de dados incluídos e, consequentemente, à crescente utilização de canais de comunicação baseados na Internet para troca de mensagens.”

Desde que o projecto começou, já foram recolhidos 11 401 testemunhos de 138 estabelecimentos de ensino. No último ano lectivo, foram feitos 729 inquéritos (apenas 0,8% dos alunos inquiridos disseram que não tinham telemóvel próprio) em 19 estabelecimentos do ensino básico e secundário — a maior parte dos inquiridos tinha idades compreendidas entre os 15 e os 17 anos.

Regra geral, a preocupação dos jovens portugueses com as radiações electromagnéticas tem diminuído ao longo da última década. Os autores do Faqtos acreditam que isto se deve, em parte, ao uso generalizado de tecnologia de comunicações móveis que se vê actualmente. 

Além dos inquéritos anuais, a equipa do Faqtos faz medições da radiação electromagnética em Portugal e organiza palestras para desmistificar ideias erradas sobre o tema. “Não é possível fazer uma avaliação objectiva dos riscos sem quantificar os níveis de radiação electromagnética a que a população é exposta para poder compará-los com limites de segurança estabelecidos por organismos internacionais de saúde”, justifica a equipa na página online do projecto, lembrando que a radiação electromagnética não é novidade. 

“Estamos expostos desde sempre à radiação electromagnética. Basta pensar que o Sol é a nossa maior fonte de radiação electromagnética”, lê-se no site.

27% dos jovens tem restrições

Tal como nos anos anteriores, os inquéritos do IST mostram que as raparigas continuam a fazer maior uso do telemóvel. Este ano, porém,  a diferença não foi muito acentuada: em média as raparigas falam cinco minutos a mais por telemóvel do que os rapazes e enviam mais três SMS. Tanto as raparigas como os rapazes fazem cerca de cinco chamadas por dia. 

O inquérito de 2019/2020 revela ainda que cerca de 27% dos jovens tem restrições à utilização do telemóvel por parte dos pais, em parte devido aos receios da exposição à radiação electromagnética, mas também para evitar o vício com os equipamentos ou para conter os gastos financeiros. Grande parte (50,6%) dos inquiridos gasta entre cinco e dez euros por mês, embora a despesa média mensal para todos os alunos que responderam aos inquéritos se situe nos 10,50 euros por mês. O tarifário da maioria já inclui plano de dados para acesso à Internet, mas praticamente 94% dos jovens tem acesso a Wi-Fi em casa.

O número de jovens com mais do que um telemóvel diminuiu desde 2010 actualmente apenas 6% dos inquiridos fala em múltiplos aparelhos (no começo do projecto Faqtos era 18%).

Há motivos para preocupação com a radiação?

Por ora não há provas científicas de que exista uma relação entre a radiação electromagnética emitida pelos telemóveis e problemas de saúde ou sintomas como dores de cabeça e cansaço. A Organização Mundial de Saúde (OMS) nota que apesar do “grande número de estudos realizados nas últimas duas décadas para avaliar se os telemóveis representam um potencial risco para a saúde”, à data, “não há provas de efeitos adversos à saúde causados pelo uso de telemóveis.”

No livro A Ciência e os Seus Inimigos (Gradiva, 2017), o físico Carlos Fiolhais e o bioquímico David Marçal explicam também que a radiação dos telemóveis é “bastante segura”, uma vez que não é ionizante. A radiação ionizante, explicam os responsáveis pelo projecto Faqtos, é toda a radiação que passa pelo processo de ionização (através do qual um átomo ou molécula perde um electrão). Este processo não acontece de forma espontânea, sendo necessária a interacção de uma molécula ou de um átomo com uma radiação com níveis de energia altos. Os raios X e os raios gama são exemplos de radiação ionizante que é capaz de produzir alterações moleculares e, consequentemente, danos no tecido biológico. 

Carlos Fiolhais e o bioquímico David Marçal notam, no entanto, que é importante continuar a fazer estudos para avaliar os efeitos deste tipo de radiação. 

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