A verdade, a técnica e o humanismo

É este progresso tecnológico que nos levou a um contínuo esforço de superação, obrigando-nos a adaptar-nos a esse registo, sem que, contudo, a nossa racionalidade e o nosso modo de ser acompanhe tal progresso tecnológico.

Há uma frase que é atribuída a Aristóteles que diz sensivelmente o seguinte: “Amigo Platão, mas, preferencialmente, amiga Verdade.” Esta frase colocada na boca de um dos maiores filósofos de todos os tempos não deixa de nos interpelar, no e para o mundo de hoje.

De facto, nos tempos que correm a verdade parece não ser tão necessária ao nosso modo de viver, e quando o é, serve apenas para reforçar o seu carácter individuante, como se pudéssemos ter domínio sobre ela, da mesma maneira que dominamos as coisas, os objetos e tudo aquilo que fazemos ou produzimos.

Constatamos isto mesmo aos vários níveis da nossa existência. A verdade para a ciência é algo inatingível, quer ao nível teórico quer ao nível da experiência e dos factos, e por isso, a verdade não poderá ser tida como critério de verificação e de comprovação, através das quais se obtêm os resultados do conhecimento, de um dado domínio do real.

Por outro lado, a nossa vivência quotidiana só consegue ter algum vislumbre da verdade quando ela manifesta o seu lado subjetivo e particular. A nossa vida está em constante mudança, nas suas formas de viver, e sobretudo, de habitar o mundo, que se tem apenas pautado por meio do progresso tecnológico. É este progresso tecnológico que nos levou a um contínuo esforço de superação, obrigando-nos a adaptar-nos a esse registo, sem que, contudo, a nossa racionalidade e o nosso modo de ser acompanhe tal progresso tecnológico. Por outro lado, para a técnica não há necessidade alguma da verdade. É por essa razão que um outro filósofo do século XX afirmava que a “essência da técnica não se identifica com a técnica”.

E assim como a verdade não se identifica com a validade provisória de um dado conhecimento teórico ou prático, assim também, a essência da técnica não é a técnica, pois o fundamento e a finalidade de algo que se faz, não é redutível aos meios usados para se atingir determinados fins. Por isso, que sentido podemos nós dar à verdade e à essência da técnica?

A verdade significa o valor de realização da ação e da reflexão humana, na proximidade com o que de melhor ela pode atingir, em cada etapa da sua existência. A essência da técnica não é a técnica, pois só a essência justifica, enquanto motivação fundamental da racionalidade humana, o sentido para uma dada produção e fabricação.

As nossas mãos prolongam o pensamento de forma visível, assim como todos os meios técnicos produzidos, prologam o fundamento e a origem essencial da técnica enquanto ação produtora. Mas se é assim, não poderá nunca a técnica, em nome de pressupostos puramente factuais e estranhos ao próprio homem, ditar as suas leis e governar-nos com os seus imperativos alienantes.

O ‘nosso habitar’ depende de valores humanistas e humanizantes. Para isso, as ‘artes’ cujo significado antigo, se diz téknai (técnicas), jamais se podem desligar do humanismo que compreendia o ciclo de saberes numa forma de realização global e que se entende por ‘Educação’ ou Cultura. De facto, a verdade como essência da técnica deverá realizar o ser humano na excelência do seu próprio progresso.

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