Filosofar memes: Are ya winning, son?

Apesar de o meme original não apresentar necessariamente este espírito, foi sobretudo à volta dele que se desenvolveu, tornando-se, assim, num baluarte da relação vazia entre pai e filho, na qual o filho se sente sozinho e desacompanhado.

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Sabemos que é suposto os memes fazerem rir. E ainda bem que sim. Adoramos rir. Contudo, já lá vão os tempos em que os memes eram simples piadas. Há já algum tempo que os memes se emanciparam e se propuseram a algo maior do que fazer rir. Agora, os memes tocam-nos no coração. Exploram realidades. Amalgamam narrativas complexíssimas em pequenas imagens. O meme “Are ya winning, son?” dá corpo à descrição acima feita. Embora a sua origem seja desconhecida, sabe-se que o primeiro registo, em 2015, é o seguinte.

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Interessa-nos a sua forma e conteúdo. Temos, à esquerda, um pai; parece entrar porta adentro do quarto do seu filho e perguntar-lhe “se está a ganhar”. Temos, à direita, um filho; está no seu quarto entretido com “algo”. O pai fuma cachimbo e veste um chapéu típico de “pai”. O filho está “hiper-tecnologizado” e a ver pornografia em realidade virtual. Aqui – enaltecendo o absurdo contraste entre o rusticismo do pai e a “hiper-tecnologização” do filho — surge a punchline do meme: o filho está a ver pornografia em realidade virtual e o pai, desorientado e pensando que ele está a jogar um videojogo, pergunta-lhe se “está a ganhar”. Quando se percebe a punchline, várias ilações podem ser tiradas.

Primeiro a de que, devido aos seus níveis de absurdismo, estamos na presença de um meme sofisticado. Em segundo — e vamos lá filosofar —, a de que este meme expõe uma realidade consagrada: o buraco entre gerações e o avanço tecnológico que se deu durante o mesmo resultou em pais completamente desfasados da realidade tecnológica dos filhos. Contudo, não apenas “tecnológica”. E não apenas “desfasados”. Podemos distanciar o meme deste “desfasamento tecnológico” e alinhá-lo a uma eventual narrativa de “desinteresse sobre o filho”. Foi isso que a Internet fez. E assim se chega à terceira ilação: a de que o meme é uma crítica latente à má paternidade. Àquela que está absolutamente desinteressada dos assuntos do filho, e que — já que não se esforça por entendê-los — entra pelo seu quarto adentro, a fumar e a perguntar se está a “ganhar”, “seja lá o que for” que ele esteja a jogar, “como sempre faz” — num absoluto alheamento ao eventual sofrimento pelo qual o filho possa estar a passar.

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Apesar de o meme original não apresentar necessariamente este espírito, foi sobretudo à volta dele que se desenvolveu, tornando-se, assim, num baluarte da relação vazia entre pai e filho, na qual o filho se sente sozinho e desacompanhado. Uma “memetamorfose” interessante apresenta o filho como Sísifo, numa referência ao sofrimento atroz pelo qual está a passar, ao qual o seu pai apenas pergunta de forma frívola se “está a ganhar”. O acima descrito atinge o seu apogeu com uma “memetamorfose” para uma versão em que o filho se havia suicidado.

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Não obstante — e é por isto que a internet é bonita —, muitas versões foram feitas mostrando compaixão pela posição complicada em que o pai está. A dificuldade que alguns pais têm em entender os filhos não será, certas vezes, por desinteresse, mas, efectivamente, por incapacidade (muito fruto das diferenças entre os mundos de então e de agora). A Internet sabe disso. E fez, amavelmente, memes sobre isso. Esta categoria de memes, cuja punchline é algo genuinamente positivo, empático e pós-irónico — ao invés de cínico, como é suposto nos memes — chama-se “wholesome memes”.

Como conseguimos ver, os memes não são só memes e também tocam no coração. Sabem-nos falar de igual para igual. Hoje, através de memes, expusemos um tema duro de forma macia. Conseguimos uma perspectiva real, espontânea e vernacular sobre um assunto que toca a muitos jovens. Os memes são amigos e devem ser vistos como tal. São ferramentas carnudas que devem ser utilizadas para entendermos o presente e a maneira como os que o vivem estão a fazê-lo. É interessante que haja uma cultura que os consuma abusivamente. Com ou sem sorrisos, os memes estarão aqui a olhar por nós – exactamente por serem criações humanas munidas do que estes melhor têm: sentido de humor e empatia.

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