A militarização da sociedade civil

Tornou-se recorrente a decisão de sucessivos governos nomearem para cargos em organismos, instituições ou serviços civis que nada têm a ver com a missão e formação militar pessoas com altas patentes militares.

Estamos em “tempo de paz e não em tempo de guerra”, esta é a melhor frase para caracterizar uma das incongruências que se passam neste nosso belo país à beira mar plantado. A verdade é que desde há muito tempo, diga-se à demasiado tempo, em concreto desde o primeiro governo democraticamente eleito em Portugal, tornou-se recorrente a decisão de sucessivos governos nomearem para cargos em organismos, instituições ou serviços civis que nada têm a ver com a missão e formação militar pessoas com altas patentes militares.

Esta militarização da nossa sociedade civil é uma situação completamente contra natura, logo a começar pelo facto de um militar ser primariamente formado, treinado e instruído para a missão militar, que como dizem os manuais é combater o inimigo, ainda que se reconheça mérito a muitos militares em outras áreas não bélicas.

Mas como a formação base é essencialmente militar, essa formação dificilmente terá qualquer aplicabilidade no seio de qualquer organismo, instituição ou serviços de cariz civil, seja ele qual for, pois lá não encontrará nenhum inimigo, ainda que por vezes ache que sim e transforme em inimigos quem se opõe às suas ideias, criando-se assim incompatibilidades inaceitáveis e inadmissíveis num Estado de Direito.

Se por um lado, no seguimento da revolução (militar) dos cravos, levada a cabo pelos Capitães de Abril (a quem todos os portugueses têm de agradecer pelo fim da ditadura e pela implantação de um regime democrático), foi aceitável que nos primeiros anos de democracia existissem nomeações de militares para cargos de governação e de gestão da sociedade civil, devido à necessidade de se fazer a transição de poder dos militares, que estavam na Junta de Salvação Nacional, para as então recém criadas instituições democráticas, isso nos dias de hoje, quase 47 anos depois da revolução, já em pleno século XXI, faz pouco ou nenhum sentido.

Por isso é difícil encontrar razões lógicas, para as várias nomeações que sucessivos governos têm feito, principalmente quando se verifica a sobeja existência na sociedade civil de sábios, académicos e outras personalidades, com formação académica, competências específicas e especialmente experiência profissional para ficarem a liderar os organismos, instituições ou serviços civis.

No entanto uma das explicações possíveis para a nomeação de militares pelos nossos governantes talvez seja a sua formação e disciplina militar, por estas serem algo que os torna em cumpridores escrupulosos daquilo que os governantes pretendem que eles executem quando os nomeiam. Pois é sobejamente conhecida a obediência dos militares à missão que lhes é ordenada, quase sempre sem questionarem as “ordens” que recebem, algo que certamente os governantes temem não encontrar em outras personalidades civis, porque com elas correm o eventual risco de verem as suas “ordens” questionadas ou postas em causa.

Aliás, se pensarmos bem, sempre que um militar é nomeado para um cargo civil, isso pode ser interpretado como uma forma dos nossos governantes chamarem incompetentes a todas as personalidades não militares que eventualmente podiam desempenhar esse cargo mas que foram preteridas, simplesmente porque a opção por um militar dá mais segurança a quem o nomeia, e como já dito, garantias de obediência.

Atenção, não se pretende com isto desvalorizar os militares na sociedade portuguesa, muito pelo contrário, pela nobre e honrosa profissão que é, esta deve ser valorizada, mas valorizada dentro da abrangência das missões que lhe são conferidas pela Constituição da República Portuguesa, e que se diga já são bastantes e muito importantes.

Sendo certo que à semelhança do que acontece com os profissionais das Forças de Segurança, também os profissionais das Forças Armadas, são igualmente maltratados pelos governantes que anos após anos teimosamente insistem em os continuar a desvalorizar, mas isto é um assunto para outro dia.

No entanto a verdade é só uma, quer se concorde ou não concorde, a militarização da sociedade civil, com a repetida nomeação de altas patentes militares para o desempenho de funções de liderança em organismos, instituições ou serviços civis, é errada e não deveria acontecer.

Aos militares o que é militar, à sociedade civil o que é civil. Como se costuma dizer em bom português “cada macaco no seu galho”.

Sugerir correcção
Ler 4 comentários