Vacinação contra a covid-19: um processo “com a eficiência de um ballet russo”

Processo de vacinação contra a covid-19 arranca este domingo em Portugal. Ministra da Saúde estará presente no momento da primeira toma, marcada para o Centro Hospitalar de São João, no Porto.

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O Centro Hospitalar de São João, no Porto, está preparado para ter um dos domingos mais atípicos da sua história. As primeiras doses da vacina contra a covid-19 chegaram ao hospital a meio da tarde deste sábado e, de imediato, começou a contagem decrescente para que nada seja desperdiçado e se possa cumprir o objectivo: vacinar mais de 2000 profissionais da unidade hospitalar entre as 10h e as 20h. Vacinar 2125 pessoas, para sermos precisos. Se, por alguma razão, não for possível administrar todas as doses este domingo, o processo terá de ficar concluído nos dias seguintes. “O produto expira quarta-feira”, explica o director dos serviços farmacêuticos do hospital, Pedro Soares.

É pelos seus serviços que passa a primeira parte da operação de vacinação no S. João e a responsabilidade é muita. “É uma operação logística que assusta pela sua dimensão, mas que esperamos conseguir executar com a eficiência de um ballet russo”, disse o responsável, à porta do serviço onde dois farmacêuticos e seis técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica vão trabalhar, a partir das 8h deste domingo e durante todo o dia, na preparação das vacinas que, depois, serão transportadas por um assistente operacional até aos espaços na zona de consultas externas onde estas serão administradas.

Pedro Soares não espera problemas na preparação das vacinas, que serão constituídas por 0,3 mililitros do produto da BioNTech-Pfizer e soro fisiológico. “É um processo de manipulação técnica a que já estamos habituados”, disse este sábado aos jornalistas que foram conhecer a operação logística montada no hospital. O que tem de ser cuidadosamente estruturado é o tempo. E há muitos tempos a contar neste processo.

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Pedro Soares junto às etiquetas que serão colocadas nas vacinas a ser administradas este domingo, depois de preparadas Paulo Pimenta

Desde logo o prazo de durabilidade da própria vacina, que já começou a contar a partir do momento em que foi descongelada, em Coimbra. Neste momento, a vacina já está guardada à temperatura normal que se encontra num frigorífico caseiro (entre 2 e 8 graus Celsius), mas o seu prazo de validade, após a descongelação, é de apenas cinco dias, pelo que tem obrigatoriamente de ser utilizada até quarta-feira. Depois há que ter em conta o tempo destinado à sua preparação desde que sai do frigorífico: duas horas. E, por fim, há mais um prazo nas contas do trabalho daqueles que estarão sentados numa pequena câmara na área de farmácia a preparar a vacina — desde que esta é diluída até ser administrada, à temperatura ambiente, não podem passar mais de seis horas. 

Pedro Soares está confiante que o processo irá decorrer como no momento da chegada e recepção da vacina: “Tudo tranquilo, como estava organizado, planeado e executado à perfeição”. Mas há muitos pormenores a ter em conta. Por exemplo, na câmara onde cada frasco do preparado da BioNTech-Pfizer é transformado em cinco doses de vacinas só entram os produtos necessários para o que está a ser preparado naquele momento. “Também é uma forma de controlo, porque se sobrar algo, sabemos que alguma coisa não está bem”, explica. 

E, depois, é preciso transportar as vacinas prontas pelos corredores envelhecidos e com alguns buracos no revestimento do S. João, subindo um lance de escadas. Por isso, o percurso de cinco minutos vai ser feito por escadas e sem recurso ao elevador com que o assistente operacional se cruza no caminho — “não vá acontecer alguma coisa aos elevadores”, diz o responsável da farmácia —, e as vacinas serão transportadas na mão, em malas térmicas, e não em carrinhos para evitar ao máximo qualquer trepidação. 

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A expectativa é que sejam preparadas quase 200 unidades por hora, permitindo que todo o produto que chegou em três caixas — duas com 195 frascos e uma com 135, num total de 525 frascos —, seja preparado e administrado ao longo do dia. “Na história do hospital nunca tivemos um domingo assim”, diz Pedro Soares. 

O resto da operação decorrerá na habitualmente movimentada zona de consultas externas, mas que ao domingo está bem mais tranquila. É aí, na área K5, que será dada a primeira vacina em Portugal, na presença da ministra da Saúde, Marta Temido, pouco depois das 10h de domingo. A cadeira com o cartaz ao lado que anuncia Plano de Vacinação contra a covid-19 estão prontos e a aguardar o momento simbólico que marcará o arranque do processo nos cinco centros hospitalares do país que receberão as primeiras doses da vacina — São João, Porto, Coimbra, Lisboa Norte e Lisboa Central. 

O local onde, simbolicamente, será administrada a primeira vacina Paulo Pimenta
Uma das zonas de consulta externa onde serão administradas as vacinas aos profissionais do S. João que lidam directamente com a covid-19 Paulo Pimenta
Um dos 25 gabinetes preparados para vacinar os trabalhadores do hospital do Porto Paulo Pimenta
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O local onde, simbolicamente, será administrada a primeira vacina Paulo Pimenta

Mas a verdadeira operação decorre um pouco mais ao lado, nas zonas K2 e K3. É aí que 25 gabinetes médicos foram apetrechados com todo o material necessário para que os enfermeiros possam administrar as vacinas. Xavier Barreto, director do Centro de Ambulatório, explicou que foram mobilizados cerca de cem profissionais para esta operação (incluindo cerca de 40 enfermeiros), que implica ainda o recurso a uma área de espera para que, após a toma da vacina, os profissionais do São João inoculados possam aguardar a meia hora obrigatória, para despistar qualquer efeito adverso que possa surgir. 

Os médicos, enfermeiros, assistentes operacionais e técnicos superiores de diagnóstico e terapêutica seleccionados para esta primeira fase da vacinação deverão comparecer à hora previamente indicada e, depois de tomada a vacina e cumprida a meia hora de controlo, irão receber um número de telefone que podem contactar no caso de, nos dias seguintes, poderem ter alguma reacção. Embora Nelson Pereira, director da Unidade de Apoio à Gestão de Urgência e Medicina Intensiva, não espere nada de diferente do que aconteceu nos outros países ou seja, nada de grave. “A vacinação é um acto de cidadania fundamental nesta fase em que nos encontramos. Ao vacinarmo-nos estamos a proteger os outros”, defendeu.

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Xavier Barreto explica a logística na zona de vacinação Paulo Pimenta

No São João, onde mais de 90% dos profissionais se mostraram disponíveis para tomar a vacina, a mensagem foi entendida. O processo vai agora começar.

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