Acesso aos recursos minerais e o direito de dizer não

Não é às comunidades nem às câmaras municipais que compete inviabilizar um projeto de revelação ou aproveitamento de recursos minerais. Não falamos de uma atividade clandestina ou que tenha algo a esconder. Os procedimentos são transparentes e confiáveis.

Todos nós temos o direito de dizer não. Desde tenra idade que aprendemos e nos habituámos a dizer não. Mas também nos educaram que nem todas as recusas podem e devem ser atendidas.

A democracia potencia o direito de dizermos não, mas simultaneamente ensina-nos o dever de respeitar os que dizem sim. O exercício pleno da cidadania decorre da responsabilidade com que, individualmente, fazemos uso dos direitos e deveres que nos assistem, ouvindo e ponderando os argumentos de todas as partes. É desta construção dinâmica, não raras vezes difícil, que emergem (ou deveriam emergir) soluções para os problemas que a todos dizem respeito. Na verdade, direitos e deveres andam de mãos dadas.

No início do mês de Setembro foi divulgada uma Comunicação da Comissão Europeia que reafirma, justificadamente, a importância das matérias-primas minerais e a necessidade de assegurar o seu abastecimento seguro e sustentável ao Velho Continente, lançando as bases de uma Aliança Europeia para as Matérias-Primas. Se tal não acontecer, parte significativa dos alicerces que suportam o “Relatório de prospetiva estratégica: traçando o caminho para uma Europa mais resiliente” ficará irremediavelmente comprometida, bem como muitas das metas traçadas quanto à descarbonização da economia, reforço da Indústria 4.0 e construção de uma sociedade mais justa. Em resposta àquela Comunicação, uma série de Organizações Não Governamentais, incluindo várias sediadas em Portugal, dirigiram uma carta aberta à Comissão Europeia onde defendem, entre outros pontos, o direito das comunidades dizerem não ao desenvolvimento de projetos de revelação e aproveitamento de recursos minerais.

Os recursos minerais são gerados por processos geológicos naturais, não sendo por isso passíveis de deslocalização. É assim premente que os planos e políticas de ordenamento do território os considerem, salvaguardando o acesso futuro aos mesmos e minorando o risco de eventuais conflitos entre a sua valorização e aproveitamento e outras atividades económicas, para além do crescimento urbano. A última versão do Plano Nacional da Política do Ordenamento do Território, publicado em 2019, não os ignora, pelo contrário, mas não teve o impacto desejável nos planos regionais e PDMs. A rigorosa inclusão dos recursos minerais nos programas de ordenamento do território, em especial nos planos municipais, baseada na atualização permanente do conhecimento geológico, diminuirá seguramente o número dos que querem dizer não.

As recusas também diminuirão caso seja possível fomentar a discussão aberta, construtiva e responsável entre as comunidades, que efetivamente vivem nas áreas com elevado potencial em recursos minerais, e as partes diretamente envolvidas na sua revelação e aproveitamento: empresas, academia e instituições governamentais. Esta é uma responsabilidade de todos e deve ser, inclusivamente, coordenada pelas entidades licenciadoras. Tal é especialmente relevante nos novos projetos, uma vez que as explorações já licenciadas são, em geral, bem aceites pela larga maioria das populações que aí de facto residem, sendo reconhecidas como geradoras de emprego e riqueza (em muitos casos as únicas fontes locais de desenvolvimento económico). Basta escrutinar de forma objetiva exemplos como os de Aljustrel, Castro Verde, Almodôvar, Vila Viçosa, Moncorvo, várias localidades da Serra d’Aire e Candeeiros, para o demonstrar. Os passivos mineiros herdados de antigas explorações em Portugal (e em todo o mundo) não são admissíveis hoje e, por isso, não deviam ser usados na construção de narrativas negativistas sobre a atividade mineira.

Mas, por várias razões, algumas que a razão desconhece, haverá sempre quem diga, categoricamente, não. Para estes é necessário relembrar que os Estados Membros da União Europeia, como Portugal, são Estados de Direito, com legislações mundialmente reconhecidas como das mais exigentes na proteção do ambiente e das populações. Um novo projeto de prospeção e pesquisa mineral ou de exploração de recursos minerais é, previamente ao seu licenciamento, publicitado em jornais nacionais e locais, convidando todos a pronunciar-se. É ainda remetido oficialmente para a(s) respetiva(s) câmara(s) municipal(ais), solicitando pronúncia. Todas as opiniões são compiladas e tidas em conta pela entidade licenciadora e delas é dado conhecimento à empresa interessada na concessão de direitos. Isto é, não falamos de uma atividade clandestina ou que tenha algo a esconder. Os procedimentos são transparentes e confiáveis, embora pequem pela morosidade e complexidade administrativa, muitas vezes também comprometendo o sucesso da eventual concessão. As suspeições lançadas ad hoc sobre os procedimentos e entidade licenciadora, deteriorando a confiança da opinião pública, carecem, pois, de justificação.

Acresce o facto que toda a atividade de exploração de depósitos minerais é obrigada à apresentação e aprovação pelas entidades competentes de um Estudo de Impacte Ambiental. E este estudo existe não porque a exploração não acarrete impacto inquestionável no meio que a hospeda (senão ele não faria sentido!), mas sim para demonstrar como aquele será mitigado, fazendo uso de soluções tecnológicas adequadas, algumas vezes em conjugação com outros mecanismos de compensação.

Isto para concluir que, embora todos tenhamos o direito e o dever de dizer não (ou sim), não é às comunidades nem às câmaras municipais que compete inviabilizar um projeto de revelação ou aproveitamento de recursos minerais. Sempre que falamos de bens de domínio público, conforme a Constituição Portuguesa estabelece, o suporte à decisão política cabe às entidades licenciadoras com proficiência e experiência reconhecidas nestas matérias, as quais terão seguramente em conta no seu parecer a opinião das populações, desde que devidamente sustentada. É assim num Estado de Direito, como Portugal.

Luís Martins, geólogo; presidente do Cluster dos Recursos Minerais de Portugal
Carlos Cupeto, professor auxiliar, Escola de Ciências e Tecnologia da Universidade de Évora
António Mateus, professor catedrático, Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e IDL

Os autores escrevem segundo o novo acordo ortográfico

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