Honras de Panteão Nacional a Eça de Queiroz

O Estado deve ao autor de Os Maias esse derradeiro tributo, representando neste acto todos os portugueses que, 120 anos decorridos sobre a sua morte, o homenageiam pelo simples acto da leitura.

Qualquer homenagem que o Estado possa prestar às grandes figuras da nossa história é sempre feita de ausências. No nosso campo de afinidades, todos podemos apontar as figuras que fazem parte da nossa constelação maior – nomes que gostaríamos de ver agraciados e que muitas vezes tardam em sê-lo. Quanto mais partilhamos essas afinidades, como se verifica no caso dos grandes escritores, mais fundas são as ausências. Na máxima homenagem do Estado, as honras de Panteão Nacional, algumas dessas falhas persistem. É o caso de Eça de Queiroz, escritor de incontornável influência na história da nossa literatura.

Perante a obra de Eça, que tem em Portugal a reputação de ser sinónimo de “prosa” – como escreve Miguel Tamen no recente O Cânone, torna-se quase escusado referir o elenco de personagens, que hoje usamos como metonímia dos nossos males, o gume transversal da ironia, que Eça sempre brandiu contra os poderosos, ou mesmo o olhar distanciado por força da sua carreira diplomática. De facto, a obra queirosiana, bem como o seu autor, entrou no nosso imaginário e aí se mantém, inclusive por vezes sob a forma de lugar-comum.

Talvez não seja exagerado dizer que cada leitor de Eça recorda a passagem que mais o marcou, a qual comummente se encontra no âmago da sua formação literária. Na minha adolescência, lembro-me bem de correr as páginas de Os Maias até ao momento dramático em que Ega assegura Carlos da verdade. Os amigos inquietam-se, o peso dos acontecimentos abate-se. E entra Vilaça, atrapalhado, em busca do seu chapéu – uma e outra vez. Sem que o soubesse nessa altura, acabara de ler um dos mais perfeitos exemplos daquilo que agora se chama popularmente comic relief.

São por demais evidentes as qualidades literárias que justificam sem reservas a atribuição destas honras à memória material e imaterial do escritor. Vejo-as como uma consequência natural do entusiasmo e da influência que a escrita de Eça sempre originou. O Estado deve ao autor de Os Maias esse derradeiro tributo, representando neste acto todos os portugueses que, 120 anos decorridos sobre a sua morte, o homenageiam pelo simples acto da leitura.

Numa época em que os índices de leitura, em particular entre os estudantes, baixam assustadoramente, tenho a esperança talvez ingénua de que um acontecimento como este alerte para a maravilhosa descoberta da literatura. Espanta-me que uma forma de arte tão importante para o nosso crescimento intelectual passe ao lado de tanta gente.

Com o intuito de lançar o repto, a Fundação Eça de Queiroz (FEQ), onde desempenho as funções de presidente, propôs-se este ano ajudar a promover todas as condições necessárias para que sejam atribuídas honras de Panteão Nacional a Eça de Queiroz. Tal traduz-se naturalmente no aval da FEQ para a transladação. Fazemo-lo na certeza da justiça desta iniciativa, e porque se trata da melhor maneira de perpetuar a memória do escritor Eça de Queiroz, trabalho que desenvolvemos ano após ano.

A par de grandes nomes da literatura – como Camões, Fernando Pessoa, Almeida Garrett e Sophia de Mello Breyner –, Eça de Queiroz fará parte oficialmente de uma constelação maior onde, na verdade, já se encontra. Alegro-me, pois, com o Projecto de Resolução n.º 800/XIV/2.ª, e estou certo de que merecerá ampla maioria parlamentar.

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