“Tolerância zero”: Ministério Público pede prisão efectiva para mãe de vítima de mutilação genital

É o primeiro julgamento em Portugal por alegada mutilação genital feminina. Crime é punível com pena de dois a dez anos de prisão.

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Miguel Feraso Cabral

O Ministério Público pediu esta quinta-feira pena de prisão efectiva para a mãe acusada de praticar ou permitir a prática do corte genital da sua filha, que na altura tinha um ano e sete meses. “Há que decretar tolerância zero em relação a isso”, afirmou a procuradora do MP, Carmen Ferreira. Este crime é punível com pena de dois a dez anos de prisão. 

Nas alegações finais do julgamento, o primeiro em Portugal por alegada mutilação genital feminina, a procuradora do Ministério Público afirmou ter convicção de que “a arguida teve conhecimento e consentiu” que a prática fosse feita à filha, o que terá ocorrido na Guiné-Bissau, tendo depois feito “tudo para esconder o crime”.

A defesa da arguida argumenta que as queixas da menina - que “chorava copiosamente” quando a mãe a levou ao centro de saúde, três dias depois de regressarem da Guiné" - ter-se-ão devido a uma assadura ou infecção causada pelas fraldas no tempo quente da Guiné. A família, aliás, diz ver com perplexidade o resultado da perícia – que a procuradora considera “não deixar margem para dúvidas” de ter havido uma mutilação genital de tipo IV – sublinhando que o “fanado” praticado tradicionalmente na Guiné implicaria a remoção de partes dos genitais. “Eu até agora não consigo imaginar isso”, diz a mãe. “Mesmo que isso fosse verdade, eu nunca autorizaria isso.” 

O perito do Instituto Nacional de Medicina Legal, que examinou a criança quatro meses depois de regressada da Guiné, garante que a cicatriz da menina na zona do clítoris, sem indícios da remoção de nenhuma parte da pele, foi feita com um objecto (ou seja, não aconteceu naturalmente). O especialista reconheceu, no entanto, que não é possível “saber exactamente” que práticas causaram o corte, já que “não conseguimos ver as lesões na fase aguda” nem a sua evolução. “Para produzir aquela cicatriz, foram certamente dolorosas.” O perito acrescenta ainda que “durante algum tempo [a menina] terá tido hemorragia que fosse identificável”, conclusão em que a procuradora do Ministério Público se baseia para afirmar que a mãe “não pode não se ter apercebido” do sangramento e está a esconder isso.

A procuradora reconheceu que a mãe “muito dificilmente” terá feito o corte “por si própria”, mas não foi possível apurar quem terá feito o corte que deixou as cicatrizes na menina. Ainda assim, apesar de afirmar que não pretende “fazer deste um caso exemplar”, a magistrada Carmen Ferreira entendeu pedir ao colectivo de juízes uma pena de prisão efectiva para a jovem mãe.

A mutilação genital feminina consiste num corte ou remoção do clítoris e de parte dos lábios genitais por razões não médicas, por norma relacionadas com tradições ou rituais de preparação da mulher para a vida adulta e o casamento. Na Guiné-Bissau, país de origem da família em causa - que afirma ter abandonado a prática desde que veio para Portugal -, o ritual é conhecido como “fanado”, sendo praticado por mulheres dedicadas a essa tradição. Entre as comunidades guineenses em Portugal que ainda são afectadas por essa prática, é comum que as meninas sejam cortadas durante as férias, quando visitam o país de origem dos pais.

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