Estado de emergência passa a prever crime de desobediência para quem não cumprir as regras

Depois de várias decisões judiciais dando razão a quem não cumpriu regras anteriores, o Presidente da República inscreveu, pela primeira vez, o crime de desobediência no decreto presidencial do estado de emergência.

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LUSA/RODRIGO ANTUNES

Ao sétimo decreto do estado de emergência, o Presidente da República inscreveu, pela primeira vez, o crime de desobediência no texto e corrigiu assim uma lacuna que vinha a tornar-se flagrante no quadro legal desta excepção constitucional: a partir de agora, quem não cumprir as regras estabelecidas vai incorrer mesmo em crime de desobediência. Um aperto jurídico que procura resolver o problema do incumprimento das normas, depois de várias decisões judiciais que davam razão aos incumpridores.

“A violação do disposto na declaração do estado de emergência, incluindo na sua execução, faz incorrer os respectivos autores em crime de desobediência”, lê-se num novo ponto do decreto e que é a única alteração ao quadro de suspensão de direitos constitucionais já em vigor há um mês.

A intenção de Marcelo Rebelo de Sousa terá sido acabar com as dúvidas que pudessem existir sobre o assunto, embora entendesse que não era necessário. “O artigo respeitante à desobediência civil copia um artigo da própria lei do estado de emergência”, diz uma fonte da Presidência, acrescentando que “este crime já constava, aliás, do decreto de execução do Governo de 9 de Novembro”. “Não é portanto novo, está inserido a bem da clareza e transparência”, sublinha a mesma fonte.

De resto, o decreto presidencial é idêntico. No preâmbulo, o Presidente da República justifica a renovação dizendo que se “mantém a situação de calamidade pública provocada pela pandemia covid-19, e, não obstante a ligeira diminuição da taxa de incidência de novos casos de infectados, mantêm-se números de falecimentos ainda muito elevados, confirmando os peritos os claros riscos de novo agravamento da pandemia em caso de redução das medidas tomadas para lhe fazer face”.

Recorda ainda que “a susceptibilidade da renovação do estado de emergência, de 24 de Dezembro até 7 de Janeiro, foi já pré-anunciada no preâmbulo do decreto [anterior], tendo o Governo estabelecido medidas a tomar durante os períodos de Natal e Fim do Ano”. Cabe agora ao Governo, que já deu parecer positivo à renovação do estado de emergência, definir as regras em concreto para cada período. O novo texto será aprovado nesta quinta-feira no Parlamento e no dia seguinte o Conselho de Ministros volta a reunir-se para definir as medidas que vão vigorar no Natal e Ano Novo e decidir se mantém o alívio anunciado no início do mês ou terá de ser puxado o “travão de mão", nas palavras do primeiro-ministro. 

De resto, o decreto presidencial prevê sensivelmente as mesmas restrições de direitos actualmente em vigor. Mantém-se a possibilidade de serem impostas restrições à livre circulação em função do grau de risco por concelho, “devendo as medidas a adoptar ser calibradas” em cada município, “incluindo a proibição de circulação na via pública durante determinados períodos do dia ou determinados dias da semana [recolher obrigatório], bem como a interdição das deslocações que não sejam justificadas”.

Confinamentos compulsivos, profissionais de saúde impedidos de abandonar o Serviço Nacional de Saúde, empresas e estabelecimentos sujeitos a mudanças de horário ou até a serem encerrados, dados pessoais menos protegidos e previsão de que pode haver ruptura de medicamentos ou material sanitário são algumas das possibilidades que continuam explicitadas neste decreto de renovação do estado de emergência.

No que diz respeito à iniciativa privada, continua aberta a possibilidade de ser ordenado “o encerramento total ou parcial de estabelecimentos, serviços, empresas ou meios de produção e impostas alterações ao respectivo regime ou horário de funcionamento”.  O decreto presidencial permite ainda ao Governo adoptar medidas especiais para garantir a “normalidade na produção, transporte, distribuição e abastecimento de bens e serviços essenciais à actividade do sector da saúde”. O objectivo é “assegurar o acesso e a regularidade no circuito dos medicamentos e vacinas, dos dispositivos médicos e de outros produtos de saúde, como biocidas, soluções desinfectantes, álcool e equipamentos de protecção individual”.

A obrigatoriedade do uso de máscara, da realização de controlos de temperatura corporal e a realização de testes de diagnóstico mantém-se inalterada, assim como a mobilização das Forças Armadas e de segurança para apoiar as autoridades e serviços de saúde na realização de inquéritos epidemiológicos, no rastreio de contactos e no seguimento de pessoas em vigilância activa. Os meios e estabelecimentos de prestação de cuidados de saúde das Forças Armadas e de segurança podem igualmente ser mobilizados para o apoio e reforço do Serviço Nacional de Saúde.

Cumprindo os prazos constitucionais, a renovação do estado de emergência tem a duração de 15 dias, iniciando-se às 00h00 do dia 24 de Dezembro de 2020 e cessando às 23h59 do dia 7 de Janeiro de 2020. Mas a renovação já é garantida nestes termos até ao fim de Janeiro, o que coincide com todo o período de pré-campanha e campanha eleitoral para as presidenciais.

Notícia actualizada às 00:35 com esclarecimentos da Presidência da República sobre o crime de desobediência

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