A violência terá género?

Os primeiros sinais abusivos surgem no namoro, nos primeiros meses, nos primeiros momentos de fusão dos dois mundos, na partilha das amizades, no querer ser “só eu e tu”, nas primeiras frases de arrependimento e no acto manipulador de inverter os papéis e o agressor passar a vítima.

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Chermiti Mohamed/Unsplash

Quantas vezes já te questionaste se estás a fazer a coisa certa? Quantas vezes te desculpaste por seres tu própria(o)? Quantas vezes te justificaste sem justificação? Quantas vezes choraste por pensares que tiveste culpa de algo que nunca fizeste? Quantas (…)? As interrogações não acabam aqui, são inúmeras e dariam um livro, não pela sua nimiedade, mas por espelharem sentimentos e emoções que são fruto da nossa experiência, da vivência e do trauma e, por isso, são individuais e únicas, ainda que possam ser comummente semelhantes.

A paixão cega, o amor ilude e a emoção sobrepõe-se à razão, impedindo-nos de concluir que o resultado da soma entre um mais um é dois, ao mesmo tempo que enfraquece o nosso poder de observação, análise e acção. É como o tecer da teia da aranha, calmo e lento, de tom brilhante e sedutor, com forma labiríntica e armadilhada, prendendo-nos sem que nos apercebamos.

Os primeiros sinais abusivos surgem no namoro, nos primeiros meses, nos primeiros momentos de fusão dos dois mundos, na partilha das amizades, no querer ser “só eu e tu”, nas primeiras frases de arrependimento e no acto manipulador de inverter os papéis e o agressor passar a vítima. Muitos não sabem, ou não se interessam, mas existem várias formas de violência: a física, a emocional, a verbal e a psicológica. Os que não se interessam acreditam que a violência só existe na forma física, no acto violento de marcar o outro. Contudo, os números contrariam a falácia do pensamento e dados de 2019 provam que 87,8% das denúncias são de natureza verbal, 75,7% psicológica, sendo que a física fica abaixo da média das anteriores, pontuando 27% e tendo como principal catalisador das denúncias o ciúme, com 70,3%, de acordo com o Observatório da Violência no Namoro.

Segundo o Relatório Anual de Segurança Interna de 2019, a violência doméstica assumiu o valor mais elevado desde 2010, com um aumento de 11,4%, em que 76% das vítimas são mulheres, 82% dos denunciados são homens e, infelizmente, em 84% dos casos registados é o conjugue ou análogo que exerce este tipo de acto. Os dois géneros coabitam numa sociedade patriarcal, erguida pelo homem e mantida por ele, em que a preponderância da diversidade deve ser, conjuntamente com a igualdade, o factor que mantém o fiel da balança equilibrado.

A violência de género é, simultaneamente, uma consequência das desigualdades entre homens e mulheres, bem como um obstáculo à igualdade. A ONU definiu a violência de género como sendo “qualquer acto de violência baseada no género que resulte ou suscite danos físicos, sexuais, psicológicos ou sofrimento às mulheres, incluindo ameaças de tais actos, coacção ou privação arbitrária de liberdade, quer ocorram na vida pública ou na vida privada”. No dia 25 de Novembro celebrou-se o Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres, implementado pela ONU, que teve como motivos a preocupação com a igualdade, a vulnerabilidade, o respeito pelos direitos humanos e a sua inalienabilidade e os esforços que têm sido feitos pela sociedade civil e os seus agentes em tomar consciência dos impactos negativos do corrompimento do supracitado.

Para evitar que a luta fosse esquecida, no mesmo dia iniciaram-se os “16 dias de activismo contra a violência de género”, que culminaram no passado dia 10 de Dezembro, coincidindo com a comemoração do Dia Internacional dos Direitos Humanos. O combate à violência é continuo e exigente, exige que aqueles que se comprometeram a lutar honrem os seus votos e transmitam mais confiança, criem mais meios de protecção para as vítimas e mais apoios sociais, implementem campanhas de sensibilização educativa e, acima de tudo, que quebrem tabus e abram espaço para debate do tema, pois este tipo de silêncio é ensurdecedor.

A violência não é, nunca foi nem nunca será uma forma de expressar amor ou paixão por outra pessoa, assim como os ciúmes não justificam qualquer comportamento violento.

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