Tem a palavra o Conselho Superior da Magistratura

Se nos pusermos de acordo sobre o dano que causa à integridade do sistema de justiça a entrada no STJ de um juiz sob investigação por crimes graves, temos então de reconhecer que estamos na presença de uma situação muito delicada.

Nos últimos dias, a comunicação social revelou que um professor de Direito, admitido no concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ), estará a ser objecto de investigação criminal por actos praticados no exercício das funções de docente universitário. Nada sei sobre os factos, não conheço pessoalmente o professor e não vou aqui condená-lo antes sequer de ter sido formalmente acusado. Mas não posso deixar de estar atento e preocupado.

Talvez valha a pena começar por explicar de que nomeação se trata. A lei permite o acesso ao STJ, por concurso curricular, a juízes de carreira com a categoria de desembargadores, a procuradores-gerais-adjuntos da carreira do Ministério Público e a juristas de mérito, vindos de fora das magistraturas, com pelo menos 30 anos de experiência profissional na docência universitária ou na advocacia. O professor em causa foi o único jurista de mérito admitido no último concurso pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM). Aguarda a nomeação e posse, logo que abra a respectiva vaga no STJ.

Ao contrário de muitos juízes, sou favorável a este modelo de acesso ao STJ que permite o ingresso de juristas não provenientes das carreiras da magistratura, porque é o que melhor assegura o refrescamento e pluralismo da jurisprudência. Mas isso implica que o CSM seja extremamente rigoroso na avaliação do mérito dos professores e advogados candidatos ao mais alto tribunal do país. Neste caso, por exemplo, a admissão levantou dúvidas legítimas, não por causa dos factos que agora estão a ser investigados – que, presumo, o CSM não conhecia – mas porque se trata de um professor de direito constitucional, sem trabalho conhecido nas áreas jurídicas da competência dos tribunais judiciais e do STJ.

Dito isto, regressando ao problema de início, se nos pusermos de acordo – como me parece que devemos pôr – sobre o dano que causa à integridade do sistema de justiça a entrada no STJ de um juiz sob investigação por crimes graves, temos então de reconhecer que estamos na presença de uma situação muito delicada, para a qual a lei tem de dar solução satisfatória. Para os juízes que entram na carreira pelo Centro de Estudos Judiciários, há um mecanismo na lei que permite ao CSM recusar a nomeação, se existirem dúvidas sobre a “idoneidade”, mesmo que tenham concluído o curso de formação com êxito. Já para os juízes que entram na função directamente para o STJ, o requisito da idoneidade para o cargo está previsto para a avaliação do mérito curricular mas não para a nomeação. Isto significa que, se entre o momento da admissão no concurso e o momento da nomeação ocorrerem factos relevantes que desabonem a integridade do candidato a juiz conselheiro, não é claro que mecanismos possam ser usados para impedir a sua entrada em funções.

Ora, na minha opinião, no plano da ética, bem mais exigente do que o da legalidade, pela mesma razão que penso e já disse que um juiz de carreira sob suspeita grave de actos incompatíveis com as exigências do cargo não pode exercer funções nos tribunais, tenho de dizer que um candidato a juiz não deve ser nomeado enquanto igual suspeita não for afastada. Se é o candidato a juiz que renuncia à nomeação ou se é o CSM que encontra maneira legal de a suspender, isso não sei. O que sei é que o problema se pode colocar quando abrir a vaga no STJ.

Aqui está, pois, uma situação que põe à prova o papel do CSM, de garante da independência e integridade do sistema de justiça. Ultimamente, lamento dizer, os sinais que vêm desse órgão não tranquilizam. O CSM está na posse de um documento com oito propostas de medidas de reforço da transparência e integridade do sistema de justiça, que visam – vamos dizer as coisas pelos nomes – evitar que se repitam falhas graves nos sistemas de alerta e controlo e dúvidas sobre a capacidade de reacção atempada. Até ao momento em que escrevo este texto, não se mostrou disposto a discuti-lo com os juízes, repetindo o incómodo de há uns meses quando não quis discutir a proposta de sindicância à distribuição de processos num tribunal. Pode ser que desta vez seja melhor. Mal de nós se um dia chegarmos à conclusão que os Conselhos que gerem os juízes são o problema e não a solução.

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