Uma menina de quatro anos criou um jardim. A vizinha fingiu ser uma fada. Fez-se magia

Num ano difícil, uma amizade improvável. Em Los Angeles, EUA, uma fotógrafa adulta com gosto por fadas criou um mundo de magia para uma vizinha de 4 anos.

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“Estamos todos a lutar de alguma forma neste momento, e todos podíamos usar um pouco de magia" DR

Kelly Kenney estava a passar por uma difícil separação quando as ordens de confinamento entraram em vigor pela primeira vez. Então, a fotógrafa, que trabalha para a Pandora Music e a SiriusXM, começou a fazer passeios à noite pelo seu bairro de Culver City, em Los Angeles. Até que, numa dessas noites, logo no início da pandemia, uma cama de cor e brilhos chamou a sua atenção. Portas de cerâmica em miniatura tinham sido colocadas na base de uma árvore, que estava rodeada de luzes cintilantes. Pequenas plantas, flores em papel e borboletas juntavam-se num minúsculo jardim artificial.

Alguém tinha colocado alguns objectos pequenos em torno de uma árvore e, após uma inspecção mais atenta, percebi que era um jardim de fadas com uma pequena nota sobre a menina de 4 anos que se sentia só em confinamento e que queria espalhar alguma alegria”, contou a fotógrafa meses depois, na sua conta de Twitter.

Entre as pedras de turquesa, seixos pintados e gnomos estava uma nota dos pais da criança, escrita em verso. “Our 4-year-old girl made this to brighten your day. Please add to the magic, but don't take away. These days can be hard, but we're in this together. So enjoy our fairy garden and some nicer weather.” (Numa tradução literal e sem rima: ​“A nossa menina de 4 anos fez isto para alegrar o seu dia. Por favor, acrescente à magia, mas não a tire. Estes dias podem ser difíceis, mas estamos juntos nisto. Portanto, desfrutem do nosso jardim de fadas e de um tempo mais agradável.”)

O pequeno jardim (e o recado) emocionou Kelly e levou-a a recordar uma das suas melhores amigas que, quando era adolescente, se suicidou.

“A ideia de alguém que eu amava sentir-se perdido, quebrado, é algo que ainda permanece comigo”, escreveu num e-mail para o The Washington Post. “Fiz do meu objectivo de vida assegurar-me de ser alguém com que os outros sintam que podem contar. Como alguém que também já experimentou a depressão e sentimentos sombrios, sei que a melhor maneira de me resgatar é ajudar a trazer felicidade aos outros. Esse pensamento está por detrás de muitas das coisas que faço.”

Como tantos outros durante a pandemia, Kelly estava a trabalhar nas suas aptidões para as artes manuais; recentemente tinha feito uns dados brilhantes. Então, prometeu alguns à rapariga, Eliana, se ela completasse algumas tarefas: dizer cinco coisas boas às pessoas que amava, fazer três coisas úteis às pessoas necessitadas, prometer ser gentil, corajosa e ajudar as pessoas, e fazer um desenho do seu animal favorito. Kelly pôs o papel com as instruções numa garrafa de vidro com brilhos e deixou-a na base da árvore – mas não assinou o seu nome, mas a de uma fada norueguesa, Sapphire, que, por gostar tanto de como Eliana tinha montado o jardim, tinha decidido viver naquela árvore.

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A fotógrafa não estava à espera de resposta, mas logo na noite seguinte encontrou uma nota enfiada no mesmo frasco de vidro. Era de Eliana e dizia à fada que tinha completado todas as tarefas. “Esperava apenas encorajá-la ou a quem quer que encontrasse o bilhete a fazer algo agradável para os outros enquanto se mantinha segura”, explicou Kelly.

E este era apenas o começo: Sapphire e Eliana foram trocando mensagens e pequenos presentes durante a Primavera, o Verão e o Outono.

Um propósito

“Fazer isto todas as noites deu-me um propósito num tempo horrivelmente doloroso e solitário. Voltei a ansiar pelos meus dias e comecei a encomendar materiais de trabalhos manuais e pequenas bugigangas para lhe deixar”, escreveu Kelly.

Após as primeiras trocas, Kelly deixou uma nota aos pais de Eliana, explicando quem ela era, certificando-se de que não havia problema em continuar a correspondência. E não havia. Eles iam e vinham para descobrir quando deveriam ser deixadas mensagens para que Kelly pudesse personalizar o que Sapphire iria deixar. Já a pequena Eliana ditava as suas mensagens à mãe, Emily Pauls, antes de as assinar.

E como os pais de Eliana tinham decidido que a filha não iria à pré-escola este ano, a amizade com a fada Sapphire tornou-se fulcral. “Para nós, a parte mais difícil sobre esta pandemia tem sido ver como a afecta. E ela é tão forte”, disse a mãe. Eliana é “suficientemente crescida para compreender, mas demasiado nova para ter capacidade de lidar com a realidade. Mas ela sabe o que lhe está a faltar.”

A vida em confinamento prosseguiu, e a amizade entre Eliana e a fada Sapphire teve um profundo impacto em ambas. “Tem sido um ponto tão, tão positivo – encorajando a sua criatividade e imaginação e dando-lhe algo por que ansiar e desfrutar. [A troca de mensagens com uma fada] proporcionou-lhe uma magia que não teríamos conseguido de outra forma”, constatou a mãe de Eliana.

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Já Kelly disse que podia ver através da sua correspondência que Eliana estava a crescer. “Até ver como as suas cartas e a sua caligrafia melhoravam ao longo destes meses significou muito para mim”, disse.

Eventualmente, Eliana ficou curiosa e quis conhecer Sapphire. Esse desejo tornou-se mais intenso à medida que os seus pais começaram a procurar uma nova casa. A ideia da mudança afectou a pequena por pensar que iria abandonar a fada. Foi então que Sapphire lhe escreveu a contar que ela também se iria mudar.

Na última semana, a família de Eliana mudou-se para uma casa num outro bairro de Los Angeles. Mas os seus pais combinaram voltar ao seu apartamento para um último passeio, coordenados com Kelly. E Eliana pediu para ir à árvore para ver se conseguia “apanhar” Sapphire no jardim.

E apanhou! Com muita magia à mistura. É que, na sua última carta, Kelly escreveu que quando as fadas se mudam “elas crescem até ao tamanho de um ser humano apenas por um dia para conseguirem levar consigo todos os seus pertences”. Então, vestida como uma fada, Kelly apresentou-se a Eliana como Sapphire. E nada foi deixado ao acaso neste encontro: tanto os pais da criança como a fotógrafa fizeram o teste para o coronavírus dois dias antes do seu encontro, para o qual não dispensaram as máscaras. Durante uma hora, Sapphire e Eliana falaram sobre a vida de uma fada e outras questões prementes.

“De início, estava a tremer e a engasgar-me nas minhas próprias palavras, mas depois de conversarmos um pouco, foi como se fôssemos as melhores amigas… quer dizer, somos”, disse Kelly.

Também os Pauls não sabiam se Eliana se revelaria tímida ou demasiado efusiva com Sapphire, mas os dois acertaram em cheio: no caminho de volta a casa, Eliana “estava a transbordar [de felicidade]”.

A partir daqui, as duas planeiam manter-se em contacto através de cartas. É que Kelly espera que Eliana mantenha a esperança e a magia desta relação durante o máximo de tempo possível.

Estamos todos juntos neste tempo, a viver uma pandemia no ano 2020, a tentar viver um dia de cada vez. É fácil ser pessimista e perdermo-nos nas histórias dolorosas e caóticas a que assistimos todos os dias, há muita dor no mundo neste momento, mas se tivermos a capacidade de alegrar o dia de única uma pessoa, nunca se sabe no que isso se pode tornar”, disse a fotógrafa.

A história de Kelly e Eliana chegou ao conhecimento público por via de várias entradas suas no Twitter, na passada sexta-feira à noite. Quando Kelly se foi deitar, menos de 10 pessoas tinham feito “gosto”. Entretanto, o patrão da mãe de Eliana partilhou a história. Na segunda-feira de manhã, já tinha sido “gostada” 397 mil vezes e “retuitada" por 140 900 utilizadores daquela rede social. 

“Estamos todos a lutar de alguma forma neste momento, e um pouco de magia far-nos-ia bem a todos. Se ela crescer com curiosidade e criatividade, e se sentir rodeada de amor e magia, vai querer devolver tudo isso ao mundo”, estima Kelly. “Desde o início que tenho pensado nas crianças, como deve ser difícil ser pai neste momento, como isto vai afectar a forma como elas vêem o mundo para o resto das suas vidas.” Por isso, considera, “um pouco de magia seria uma grande ajuda”.

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