Fisco articula plano para empresas devolverem ajudas ilegais na Madeira

Governo admite fazer avaliação de custo-benefício da Zona Franca da Madeira. Para já, as regras deverão ser prolongadas por um ano, com alterações.

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O regime da ZFM visa compensar as empresas pelos custos de estarem sediadas numa região ultraperiférica Andreia Gomes Carvalho

O Governo foi notificado, logo no próprio dia, da decisão da Comissão Europeia que obriga Portugal a recuperar a receita de benefícios de IRC atribuídos de forma ilegal a empresas da Zona Franca da Madeira (ZFM) e irá envolver a administração fiscal nacional no plano de reembolso das ajudas indevidas.

Chamado de urgência ao Parlamento a pedido do BE, o secretário dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, revelou nesta terça-feira que a directora-geral da autoridade tributária (AT), Helena Borges, irá ser chamada a “coordenar”, em articulação com a autoridade tributária regional (AT-RAM), um grupo responsável pelo programa de recuperação.

Essa solução tem de estar definida dentro de quatro meses e ser executada nos quatro seguintes, pois Bruxelas deu oito meses para que as ajudas superiores a 200 mil euros por ano sejam repostas nos cofres do Estado português pelas empresas que beneficiaram de uma redução do IRC de forma indevida.

Quando aprovou o regime fiscal III da ZFM permitindo que as empresas ali licenciadas sejam compensadas, por via fiscal, das vantagens estruturais de estarem sediadas numa região ultraperiférica, Bruxelas condicionou a atribuição do benefício fiscal ao número de postos de trabalho criados ou mantidos na Madeira. E exigiu que os lucros aos quais se aplicasse a redução do IRC (taxas de 3%, 4% ou 5%, consoante os anos) resultassem de actividades efectivamente realizadas na Madeira. Só que, ao fiscalizar a aplicação das regras, descobriu que o Estado português concedeu os incentivos sem controlar se as empresas cumpriram os requisitos que Bruxelas aprovara.

Mendonça Mendes deu como facto que algumas empresas terão de entregar aos cofres públicos “o dinheiro que indevidamente não pagaram em impostos”. Ao dizê-lo dessa forma, afastou implicitamente a ideia de Portugal contestar a decisão da Comissão Europeia, uma hipótese que já fora ventilada pela deputada do PSD Sara Madruga da Costa na semana passada.

O governante distanciou-se desse cenário em dois momentos, dizendo que “só se enfrentarmos os problemas é que os podemos resolver” e ao afirmar que “mesmo que se quisesse fazer uma reacção em tribunal, essa decisão nunca teria efeitos suspensivos; por isso, não podemos perder um minuto relativamente aos oito meses que temos pela frente”.

Executar correcções

Para fazer as correcções e executar a devolução, Lisboa e o Funchal terão de se coordenar, porque umas empresas sediadas na ZFM são acompanhadas pelo fisco nacional (24 grandes empresas) e outras (a esmagadora maioria) são fiscalizadas pelo fisco regional.

Como nos últimos anos, quando já corria a monitorização apertada da Comissão, a Unidade dos Grandes Contribuintes (da AT nacional) iniciou algumas inspecções, a deputada do BE Mariana Mortágua quis saber se as autoridades portuguesas conseguiram obter a receita em falta. O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais foi evasivo. E, a dada altura, deixou no ar um comentário enigmático: “A resposta à sua pergunta virá nos próximos meses”.

Pouco antes, ao falar sobre a forma como a ZFM é fiscalizada, o secretário de Estado sublinhara que, quando a UGC propõe uma liquidação adicional, um contribuinte, se quiser reclamar, fá-lo junto da autoridade tributária da região autónoma, porque a sede fiscal da empresa é na Madeira.

Estender e avaliar

Para já, o Governo quer prorrogar o actual regime fiscal por mais um ano e irá apresentar uma proposta legislativa no Parlamento para fazer essa extensão, corrigindo, ao mesmo tempo, as desconformidades identificadas pela Comissão.

A ZFM funciona por regimes que se sucedem uns aos outros e, como o IV está em “phasing out” (em extinção gradual), Mendonça Mendes admite fazer uma avaliação “sobre o custo-benefício” em articulação com o Governo regional, para se analisar a “mais valia-económica e social que exista, ou não, em função dos benefícios fiscais” atribuídos.

A sugestão veio do PAN, partido que, tal como o PCP e o BE, considera que a ZFM está a inflacionar o Produto Interno Bruto (PIB) da região da Madeira de forma artificial e a privar a região de fundos estruturais.

A deputada do CDS-PP Cecília Meireles alertou: “Se o regime acabar há um prejuízo para a receita fiscal da Zona Franca da Madeira”.

Mendonça Mendes sublinhou que Portugal tem de comunicar à Comissão até 31 de Dezembro que pretende estender o regime por mais um ano e referiu que, dessa forma, fica salvaguardado, porque mesmo que as novas regras só estejam legisladas depois de 1 de Janeiro, serão aplicadas às empresas licenciadas desde o início de 2021.

Do lado do PSD, a deputada Sara Madruga da Costa voltou a dizer que quando se fala da despesa fiscal associada à ZFM “não existe qualquer prejuízo” para a receita, porque, contrapôs, as empresas estariam nas praças financeiras concorrentes. Quanto às ilegalidades, disse que há uma “dúvida interpretativa em torno do conceito de postos de trabalho” e considerou ser importante clarificar a origem do problema para haver “uma melhor decisão para o futuro” do regime.

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