30 Monedas: Álex de la Iglesia está de volta, com mais milagres e mais demónios

A nova série do autor de O Dia da Besta devolve o cineasta aos campos da religião e do paranormal. Chegou à HBO no fim de Novembro.

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30 Monedas, série do cineasta espanhol Álex de la Iglesia que chegou à HBO no dia 29 de Novembro, depois da estreia fora de competição em Setembro, na 77.ª edição do Festival de Veneza, é um “bicho” estranho — (quase) literalmente, poderíamos dizer. Assista ao começo do primeiro episódio e repare na vaca que dá à luz um bebé humano (bebé esse que em não muito tempo se transforma numa criatura grotesca, daquelas que o realizador de culto, hoje com 55 anos, bem gosta) se não está a perceber onde queremos chegar.

Neste thriller fantasmagórico que aqui e ali aceita algum humor negro, de la Iglesia regressa a algumas das reflexões pessoais sobre a religião e a Igreja Católica que já em 1995 — ano em que gravou a longa-metragem O Dia da Besta — havia tentado filmar. Desta feita, temos no centro da acção o barbudo Vergara (Eduard Fernández), um padre com um improvável passado no pugilismo e na cadeia que, exilado numa aldeia remota — o projecto foi gravado não só mas sobretudo em Pedraza —, tem na sua posse uma moeda rara, parte integrante de um tesouro tão importante como altamente procurado (a série, como o título permite antever, tem como principal preocupação as 30 moedas de prata pelas quais, de acordo com o Novo Testamento da Bíblia, Judas Iscariotes traiu Jesus Cristo).

Efectivamente, este não é um padre comum, assim como de la Iglesia diz ao PÚBLICO não se considerar “um católico ‘normal’”. Alguém que racionaliza (ou relativiza) os aparentes milagres e demais fenómenos paranormais que começam a acontecer naquela localidade rural — as pequenas casas de pedra e as enormes mansões antigas de Pedraza sempre desenham um bom pano de fundo —, Vergara vê-se no meio de uma densa conspiração que até o Vaticano chega a envolver. Tudo por causa daquela moeda, cujo verdadeiro significado e poder tenta decifrar, para tal formando um improvável trio com a veterinária Elena (Megan Montaner) — que testemunhou o bizarro parto da vaca — e o presidente do município, Paco (Miguel Ángel Silvestre, menino bonito das novelas espanholas que ganhou notoriedade internacional com Sense8, série da Netflix).

Ao PÚBLICO, Álex de la Iglesia admite não conseguir “evitar” as passagens pelo cinema de terror (o autor é um admirador confesso de John Carpenter e Larry Cohen) e os contornos religiosos que recorrentemente surgem nas suas obras. “Adoro os monstros, adoro as criaturas, adoro o momento em que uma história se torna impossível”, conta. “O público também quer viver esse momento, esse ponto de transição em que passamos do plano da ‘normalidade’ para o do sobrenatural, do fantástico. A dificuldade está em equilibrar esse fantástico com personagens que sejam credíveis, personagens que sejam pessoas a sério”, resume.

Quanto à presença e influência do catolicismo, o cineasta diz adorar “temas como a imortalidade, a alma, a luta entre o mal e o bem”. “Posso não ser um católico ‘normal’, mas alguém que tem Deus sempre como uma questão ou um pensamento na sua cabeça continua a ser um crente na mesma. E quando tens fé em alguma coisa, sentes-te seguro. A coisa mais horrível no mundo não é um monstro; é saber ou pensar que a realidade é um absurdo, um caos. É pensar que não há nenhum ‘grande motivo’, não há um guião, não há um ser celestial a controlar as coisas ou a olhar por elas. Sentes-te mais protegido quando acreditas.”

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