O renascimento de um bosque autóctone – e para todos

Com o objectivo de aumentar a biodiversidade e reduzir o risco de incêndio, Nuno Gomes Lopes dedicou-se à transformação de terrenos numa aldeia de Torre de Moncorvo, por via da plantação de espécies autóctones, do controlo da densidade de pinheiros e da eliminação de arbustivas. Um bosque que pretende abrir à comunidade.

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Anna Costa
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“Estão habituados a caminhar no monte?” A pergunta é feita com genuína curiosidade, mas deixa no ar uma preocupação (algo provocatória) relativamente ao percurso que se seguiria. Através de uma subida um tanto íngreme por terreno irregular, Nuno Gomes Lopes guia-nos por caminhos acidentados, esforçando-se por desviar da vegetação que cresce desgovernada. O percurso tem como destino o pinhal que está a converter em bosque autóctone na aldeia de Martim Tirado, em Torre de Moncorvo, numa aventura que começou há dez anos, depois de herdar um terreno de meio hectare. “No início, não sabia as dimensões nem os limites, foi um senhor da aldeia que me ajudou a descobrir”, lembra.

A inexistência de georreferenciação e o facto de as pedras originais, usadas antigamente como marcos, não terem chegado até ao presente dificultaram a identificação do terreno, mas não impediram Nuno de deitar mãos à obra. Como apaixonado pela natureza que é, o arquitecto de profissão dedica-se também à recolha e reprodução de sementes, exclusivamente de espécies autóctones, no seu viveiro doméstico, de onde saíram os primeiros exemplares plantados.

“Comecei com sobreiros e azinheiras e durante muitos anos fui fazendo plantações.” No entanto, a abordagem não se revelou a mais adequada. “De tudo o que tinha plantado, pouco mais tinha sobrado do que dois sobreiros”, revela. De facto, o tempo fê-lo conhecer melhor as características do terreno que tinha em sua posse e aprender quais as melhores etapas a seguir até ao fim da linha, um bosque climático. “Em vez de apostar na regeneração e noutras estratégias, estava focado na plantação, estava a forçar – algo que não faz sentido quando há plantas a nascer.” Actualmente, pratica uma estratégia “mista”: trabalha a regeneração natural e só faz plantações nas zonas mais favoráveis. Desta forma, os pinheiros – espécie que não considera “especialmente interessante” manter por ser colonizadora e ignífera, sobretudo quando não há gestão (como acontece nos terrenos circundantes) – serão poucos, mas estarão acompanhados de espécies diversas e adaptadas ao local.

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Pinheiros “têm vida curta”, um carvalho “dura mil anos”

Em 2010, Nuno Gomes Lopes adquiriu um segundo terreno, contíguo ao seu, o que permitiu reconstituir a propriedade inicial, com um hectare. “À escala do país, um hectare é muito pouco, mas em Trás-os-Montes, onde existe muito minifúndio e microfúndio, já não é mau”, sublinha. Acompanhado de alguns amigos que regularmente visitam o espaço, Nuno trabalha para esbater a diferença entre as duas parcelas de terreno, através de “podas e desbastes” que contribuem para a diminuição da densidade da florestação e, consequentemente, para a diminuição do risco de incêndio – um dos dois objectivos do trabalho desenvolvido, juntamente com o aumento da biodiversidade.

Um eventual fogo que destrua todo o trabalho efectuado ao longo da última década é, de resto, uma possibilidade para a qual Nuno se prepara constantemente. “Tenho sempre ideia de que isto vai arder, a questão é quando. Espero que seja numa altura fria, com um vento contra”, confessa. O facto de não trabalhar de forma profissional no terreno parece ajudar no processo de consciencialização. Apesar de não estar localizado numa área propensa a fogos (com um mosaico florestal composto ainda por terrenos cultivados), as condições que potenciaram os grandes fogos registados em Portugal num passado recente deixam Nuno alerta. “Já começam a aparecer”, alerta.

Quem parece ainda mais resignado com os destinos da floresta envolvente são os habitantes da aldeia, que olham para os esforços de Nuno com desconfiança. “As pessoas mais novas ouvem o que eu digo e percebem o que estou a dizer, mas as mais velhas pensam que sou maluquinho”, brinca. Convicta de que “não adianta limpar porque o fogo vem e leva tudo”, a população “não percebe que a ideia é que o fogo não entre no pinhal ou que a sua acção seja a menor possível”. O cepticismo estende-se também à plantação de espécies que não os pinheiros – espécie que domina na região na sequência de uma política florestal do Estado Novo, ampliada devido à propagação das sementes. “Não é por ser um pinhal que não se pode plantar outras coisas. Os pinheiros já lá estavam e um dia vão desaparecer porque têm vida curta, ao passo que um carvalho dura mil anos.”

A ideia de plantar uma árvore cujo ciclo de crescimento transcende largamente o período de vida humana reflecte a ideia de herança natural que pretende deixar. “Eu estou a plantar, mas isto não é para mim. É para os meus filhos e netos; para que as gerações vindouras tenham um terreno mais produtivo, com um solo recuperado e com mais biodiversidade.” Até chegar a este ponto, o projecto de conservação, que evolui numa lógica de longo prazo e sem objectivos financeiros, poderá passar por ampliações transformações. Ampliações no que concerne ao número de terrenos e áreas intervencionadas e transformações na organização responsável pela gestão comum dos territórios.

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“Eu estou a plantar, mas isto não é para mim”, explica Nuno Gomes Lopes. “É para os meus filhos e netos; para que as gerações vindouras tenham um terreno mais produtivo, com um solo recuperado e com mais biodiversidade.”

Um bosque comunitário, aberto a quem queira usufruir dele

“Faço parte de outros projectos de conservação e, se não existe uma estrutura por trás, o trabalho esfuma-se”, revela Nuno. A ideia mais recente que teve foi, no âmbito de uma associação, criar um “bosque comunitário aberto a todas as pessoas que queiram usufruir dele”. Na mesma linha de pensamento, deixa em aberto a possibilidade de englobar no bosque terrenos próximos caso os seus proprietários demonstrem interesse em cedê-los. Por estes dias, Nuno prepara-se para adicionar mais meio hectare à sua propriedade.

A “perseverança” que diz ser necessária para assistir à evolução dos processos naturais da floresta, Nuno aplica-a também ao crescimento de uma ideia a longo prazo e que foi sofrendo alterações, de acordo com os diversos contributos recebidos. Este não é, contudo, o único projecto de Nuno Gomes Lopes em Martim Tirado. Para além dos terrenos, o arquitecto herdou uma casa que renovou e transformou em alojamento local, a Quinta dos Baldo, para quem pretenda usufruir da natureza sem qualquer filtro. Desde que passou a investir mais tempo na região, Nuno potenciou igualmente a criação de uma plataforma de observação astronómica, que tira partido da baixa densidade populacional, conferindo à região condições privilegiadas para esta actividade.

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