Vacina da Pfizer autorizada nos EUA: Depois do “milagre da ciência” começa o desafio logístico

Anúncio chegou no dia em que os Estados Unidos voltaram a bater o recorde de mortes ligadas à pandemia, com 3309. Operação para distribuir vacina já arrancou mas as mortes vão continuar a subir.

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Pessoal médico ensaia a administração da vacina da Pfizer num hospital de Indianápolis, no estado do Indiana BRYAN WOOLSTON/Reuters

Uma gigantesca operação de logística estava este sábado em marcha nos Estados Unidos para começar a distribuir 2,9 milhões de doses da vacina da Pfizer: horas antes, na sexta-feira à noite, a agência que regula o sector dos medicamentos deu autorização para uso de emergência à vacina desenvolvida pela farmacêutica americana com a sua parceira alemã BioNTech, a primeira para prevenir a covid-19 aprovada no país mais afectado em todo o mundo.

Numa mensagem aos americanos, Donald Trump falou num “milagre da ciência” e prometeu que “a primeira vacina será administrada em menos de 24 horas”. A segunda parte não é verdade: as primeiras doses deverão chegar na segunda-feira de manhã, com as primeiras pessoas a serem vacinas ao longo desse dia.

A autorização, quando o país se aproxima das 300 mil mortes, chegou apenas 336 dias depois de as autoridades chinesas terem partilhado a sequência do genoma de um novo coronavírus. E no mesmo dia em que os EUA registavam 3309 mortes, mais um recorde, e 231.771 novos casos confirmados, segundo os dados da Universidade John Hopkins.

O Presidente norte-americano, que passou meses a desvalorizar a gravidade da pandemia, começara o dia a pressionar a FDA (Food and Drug Administration). “Coloque a raio das vacinas cá fora já, Dr. Hahn”, escreveu no Twitter. Hahn é Stephen Hahn, comissário da FDA.

De acordo com o jornal The New York Times, mais ou menos à mesma hora o chefe de gabinete de Trump, Mark Meadows, ameaçava Hahn de despedimento se a aprovação não chegasse antes de sábado. Antes das eleições em que foi derrotado por Joe Biden, a 3 de Novembro, Trump acusou a agência de estar a “atrasar” a vacina para o prejudicar.

Hahn descreveu a aprovação como “um marco significativo” no combate à pandemia, explicando que esta surge depois de “um processo de revisão aberto e transparente”. A autorização para uso de emergência não é o mesmo que uma aprovação total, mas as consequências práticas são idênticas; a diferença é que foi seguido um caminho mais rápido, só possível em casos específicos, como uma pandemia. É o mesmo tipo de autorização que a vacina da Pfizer recebeu no Reino Unido, onde começou a ser administrada na terça-feira.

A expectativa é que esta aprovação “traga a promessa de alterar o curso desta pandemia nos EUA”, afirmou Peter Marks, director do Centro de Avaliação e Investigação Biológica da FDA. “Penso que precisamos de parar um momento e pensar que estamos a viver todos os dias um desastre, com vítimas em massa nos EUA. Mas agora temos esta vacina, desenvolvida em tempo recorde, que pode realmente salvar-nos e salvar o mundo desta pandemia terrível”, disse à CNN a médica de Urgência Leana Wen. “Este é um momento realmente monumental para nós.”

Meados de 2021

Mas mesmo se a operação para distribuir e administrar a vacina, uma das campanha de saúde mais complexas de sempre do ponto de vista logístico, correr exactamente como planeado, os peritos antecipam que não será possível vacinar os adultos de baixo risco antes de meados de 2021, talvez mesmo no fim do ano.

De acordo com o general Gustave Perna, chefe de operações, as primeiras 2,9 milhões de doses deveriam começar a sair ainda no sábado das instalações da Pfizer em Michigan, no Wisconsin, em aviões e camiões vigiados. É dali que sairão todas as doses a caminho dos locais destinados por cada um dos 50 estados, a maioria hospitais. Depois de chegarem, serão administradas o mais depressa possível, a profissionais de saúde e residentes de lares, ao mesmo tempo que têm ser mantidas a uma temperatura entre 60 e 80 graus Celsius negativos.

Até segunda-feira, chegarão vacinas a 150 locais, entre terça e quarta-feira a outros 450.

Os planos delineados ao longo dos últimos meses prevêem obstáculos potenciais como protestos ou mau tempo. Em princípio, o transporte será assegurado pela empresa de distribuição de encomendas FedEx e pelo serviço de transporte de correio expresso UPS – a cada carregamento seguir-se-á, no dia seguinte, um carregamento de gelo seco. Mas, se for preciso, poderão ser usados aviões e helicópteros militares para fazer chegar a vacina a lugares remotos.

Três meses “realmente duros"

Quase prontas para seguirem viagem, estão outras 2,9 milhões de doses do reforço necessário passadas três semanas para a vacina atingir uma eficácia de 95%, assim como 500 mil para reagir a alguma emergência inesperada.

Apesar de todo este esforço, as mortes por causa da covid-19 vão continuar a aumentar. Os especialistas já tinham avisado que isso aconteceria depois do feriado do Dia de Acção de Graças, a 26 de Novembro, quando mais de um milhão de americanos viajou de avião dentro do país. “Em duas ou três semanas, poderemos assistir a uma explosão de casos”, alertara o imunologista Anthony Fauci, principal responsável pela resposta à crise sanitária. Em algumas zonas dos EUA, trata-se de um surto em cima do surto a que já se assistia.

Os próximos três meses serão “realmente duros”, avisou na quinta-feira o director do Controlo e Prevenção de Doenças (CDC), Robert Redfield, citado pela CNN. “Ao longo dos próximos 60 a 90 dias vamos ter mais mortes por dia do no 11 de Setembro”, afirmou, numa referência aos atentados terroristas que mataram 2977 pessoas nos EUA em 2001. “E a realidade é que a autorização para uma vacina não terá impacto nisso.”

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