Irão executa jornalista por inspirar protestos de 2017 contra o regime

Foi o seu canal no Telegram que permitiu aos manifestantes iranianos organizarem-se. Preso em 2019, Ruhollah Zam foi enforcado aos 42 anos. Os Repórteres Sem Fronteiras dizem-se “chocados” com a execução.

Foto
Ruhollah Zam durante o seu julgamento, em Junho, em Teerão Reuters

Viveu anos em França, onde tinha estatuto de refugiado, mas em Outubro do ano passado foi atraído até ao Iraque e preso pelos Guardas da Revolução. Ruhollah Zam foi enforcado este sábado de manhã no Irão pelo seu papel na promoção dos protestos de 2017, o maior desafio que o regime enfrentou desde o chamado Movimento Verde de 2009. Com 42 anos, era casado e tinha duas filhas.

Num julgamento em que não teve advogado, foi condenado por “corrupção na Terra”, uma das acusações mais graves na República Islâmica, “crimes contra a segurança interna e externa do país”, “espionagem em benefício dos serviços secretos franceses” e insulto ao “carácter sagrado do islão”.

As manifestações começaram nos últimos dias de 2017 na cidade conservadora de Mashhad, por causa do aumento súbito dos preços e da inflação e as palavras de ordem visavam o Presidente, Hassan Rouhani. Terão sido instigados pelos ultraconservadores, que assim pensavam poder canalizar a fúria dos iranianos para Rouhani.

Ao contrário do que acontecera em 2009, quando os protestos foram sobretudo urbanos e liderados por dirigentes políticos, os manifestantes de há três anos eram “jovens indignados”, muitos universitários mas sem emprego, outros oriundos de meios pobres.

Só que os gritos contra a subida dos preços e a corrupção depressa se espalharam a centenas de cidades de todas as dimensões, visando próprio regime. Ouviram-se mesmo gritos de “abaixo o ditador, morte a Khamenei”, o Guia Supremo Ali Khamenei, que até então nunca era criticado.

Dois anos depois, no fim de 2019, os protestos regressara às ruas do Irão para voltaram a ser esmagados – para além de cinco mil detidos, segundo a ONU pelo menos 400 pessoas foram mortas e a Amnistia Internacional fala em dezenas de vítimas de tortura.

Ruhollah Zam tinha um site chamado Amadnews (ou Sedaiemardom, “a voz do povo”) e em 2017 criou um canal com o mesmo nome na plataforma de mensagens encriptada Telegram, que depressa chegou aos 1,4 milhões de seguidores. A partir daqui, divulgava informações sobre as manifestações e vídeos dos protestos, publicando também notícias embaraçosas para vários responsáveis da teocracia.

Zam tinha ainda uma conta na mesma rede que divulgava mensagens encriptadas entre manifestantes

A organização Repórteres Sem Fronteiras, que tinha descrito o julgamento de Zam como “grosseiramente injusto”, diz-se “escandalizada com mais este crime da justiça iraniana”.

Alguns dissidentes iranianos no exílio apontam o dedo ao Governo francês, que acusam de não ter feito o suficiente para salvar alguém a quem a França concedera asilo. A mulher do jornalista, Mahsa Razani, que vive em França com as filhas do casal, pediu ajuda às autoridades assim que percebeu que o marido tinha desaparecido.

Quando anunciou a detenção, através do canal Amadnews, o regime congratulou-se por ter encurralado Zam numa “operação complexa”. A verdade será mais banal: segundo amigos do jornalista, Zam queria criar um canal televisivo e foi convencido a ir ao Iraque para uma reunião com o principal líder dos xiitas iraquianos, o ayatollah Ali Sistani, rival de Khamenei que iria financiar o projecto. Foi preso assim que aterrou em Bagdad.

Zam é filho de um líder religioso reformista que chegou a ocupar uma posição no Governo no início dos anos 1980. Em Julho de 2017, Mohammed Ali Zam escreveu uma carta publicada nos media iranianos onde se afastava do filho, afirmando que não apoiava o seu trabalho no AmadNews.

Sugerir correcção
Ler 35 comentários