Era uma vez… uma história

A mãe começa a contar uma história ao filho, que embala no colo. As perguntas da criança acabarão por definir o rumo das personagens e o desfecho da narrativa.

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Sara Cunha
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“Era uma vez um ursinho que foi pescar…”, diz a mãe, ao iniciar uma história. É o filho que lhe dará um nome, um chapéu, um amigo, um lanche, uma sombra, uma sesta e até uma ética. No final, a história será sobre “um ursinho que não foi pescar”.

Raquel Patriarca, autora do texto, conta-nos como foi: “A História de Uma História nasceu tal e qual assim. Naquela circunstância, muito comum a muitas mães, de quando o meu filhote, que como todas as crianças adorava que lhe contasse histórias, me pedia, fosse lá a que horas fosse ou onde quer que fosse, ó mamã,  conta-me uma história...

O Pedro, assim se chama o filho da autora, era “um rapaz perguntador”, interrompia as histórias e mudava o que lhe apetecia. “Este conto nasceu em memória dessas alturas, que agora já são mais raras...”

Interrupções iniciais no livro: “Ó mamã, como se chama o ursinho?”; “Ó mamã, estava sol? Não achas que o ursinho Alecrim devia levar um chapéu?”; “Ó mamã, não tem muita piada ir pescar sozinho, pois não?”; “Mãezinha? Os ursinhos, quando chegam ao rio, devem estar com muita fome!”

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Os pormenores do conto traduzem o que existia à volta da casa e da família. “Os ursos de peluche que o Pedro tinha no quarto, o tufo de alecrim que temos no jardim, o arbusto de giesta que ambos trazemos na cabeça quando acordamos de manhã, o chapéu de palha que era da minha avó, as cestas que eram da avó dele, as lambarices de que ambos gostamos. (O queijo é mais o pai, veio em honra dele, que assim não se sente excluído destas coisas)”, conta-nos por email Raquel Patriarca, bibliotecária e mediadora de leitura.

Para concluir: “No fundo, é um conto sobre as histórias que nascem à nossa volta. Que já vivem nos objectos ou em nós. Basta pararmos uns minutos e dizermos: ‘Era uma vez...’ Depois, só nos falta um personagem. E um nome para lhe chamar. Uma aventura para ele viver e um amigo para a viver com ele... Um pormenor aqui e outro ali e, zás, nasce uma história nova. Que até pode acabar exactamente ao contrário daquilo que se anunciava no princípio.” Foi mais ou menos o que aconteceu aqui. Uma pescaria… sem peixe na cesta.

Raquel Patriarca nasceu em Benguela, em 1974, é doutorada pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto com uma tese sobre a História do livro infanto-juvenil em Portugal. Além de mediadora de leitura para o público jovem, é professora de alunos pós-reformados. Colabora com as revistas Elos: Revista de Literatura Infantil e Xuvenil, A Página da Educação e E-Fabulations: E-journal of children’s literature.

Desenhar em espelho

Também Sara Cunha, a ilustradora do livro, explica ao PÚBLICO, por email, como nasce o seu trabalho, este e outros. “Cada livro é um processo diferente, as ideias que tenho e as imagens que crio dependem muito de cada história e da dimensão do texto. Há sempre alguns momentos ou passagens a partir dos quais intuitivamente me surgem imagens, pela expressão visual que suscitam ou pelo potencial de exploração estética ou de composição nas páginas — como neste A História de Uma História, os dois momentos em que os ursinhos relaxam depois do lanche e em que observam o rio, estão desenhados em espelho. No entanto, há sempre momentos importantes a marcar, como a introdução das personagens.”

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Sara Cunha

A repetição que o texto encerra fez com que a ilustradora, que nasceu no Porto em 1981, optasse por que “as ilustrações fossem focando os elementos novos que vão sendo introduzidos — o chapéu, o amigo, o lanche —, sem necessariamente repetir as situações ou os ambientes”.

Descreve ainda: “A história das ilustrações avança com a introdução dos novos elementos, quase de forma simbólica. Para enriquecer as imagens e num diálogo entre a fantasia e a realidade, alguns objectos ou padrões que rodeiam os narradores surgem nas ilustrações da história que os dois partilham, como o cesto do lanche com os ursinhos de peluche, o chapéu no cabide ou a textura da toalha de mesa, a mesma da toalha do piquenique. Uma alusão a um exercício que facilmente pode ser replicado na vida real e como qualquer um de nós tem uma história ao alcance no ambiente que nos rodeia.”

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A relação com os autores também varia em função da natureza de cada projecto: “Procuro sempre partilhar as imagens que vou trabalhando ao longo do processo e é muito bom quando recebo feedback, opiniões ou sugestões. Os editores também, muitas vezes, sugerem ou corrigem pormenores.”

Quanto à técnica, ficamos a saber que começa sempre pelo desenho manual, depois vai “compondo digitalmente, mas as cores são texturas em acrílico pintadas à mão em papel e digitalizadas”. Neste livro, “o resultado final é digital”.

No entanto, gosta de explorar diferentes técnicas, de acordo com o que lhe é proposto: “Recortes/colagem, ilustrações em tecido/patchwork e técnicas de bordado. Gosto muito da experimentação, sendo o desenho geométrico e as cores a que normalmente recorro a matéria comum às diferentes técnicas.”

Sara Cunha licenciou-se em Arquitectura na Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e fez mestrado em Design da Imagem na Faculdade de Belas-Artes na mesma universidade.

É a autora do texto que nos conta como lhe agrada a reacção das crianças às ilustrações do livro: “Acho muito engraçada a forma como, nas escolas onde leio a história, as crianças se entregam à brincadeira dos recortes de papéis coloridos para recriar as ilustrações, que são sempre de uma outra hipotética narrativa, com detalhes diferentes que as incentivamos a acrescentar.”

Foi assim que ficámos a conhecer a história… de A História de Uma História. Passe o pleonasmo.

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