Ecomobilidade: Portugal passará a ser o “patinho feio” da Europa

Será que a grande maioria dos líderes políticos sabe distinguir um veículo híbrido de um híbrido plug-in ou até de um elétrico? E as suas vantagens e desvantagens? Aparentemente não sabem, mas, mesmo assim, legislam. Sem analisar dados, impactos ou fazer contas.

O final do mês de novembro ficou marcado pela aprovação da limitação aos incentivos fiscais para viaturas híbridas no âmbito do OE 2021. Uma decisão inesperada, baseada em critérios sem rigor científico, que não teve em conta o setor automóvel. A medida permitiu-nos constatar a completa desorientação de quem nos lidera relativamente a uma real estratégia de ecomobilidade.

Em boa verdade, a divulgação das soluções mais sustentáveis dentro do setor tem sido uma cruzada da exclusiva responsabilidade das marcas, que têm investido enormes recursos financeiros na criação, desenvolvimento e divulgação destas novas tecnologias. Da parte do Estado, além de alguns (poucos) incentivos fiscais – um dos quais agora se pretende extinguir –, pouco tem sido feito. Aliás, acredito que a decisão tomada é reflexo da falta de conhecimento generalizada, incluindo dos próprios decisores deste país.

Será que a grande maioria dos líderes políticos sabe distinguir um veículo híbrido de um híbrido plug-in ou até de um elétrico? E as suas vantagens e desvantagens? Aparentemente não sabem, mas, mesmo assim, legislam. Sem analisar dados, impactos ou fazer contas.

Para além da diminuição dos incentivos existentes, a ausência de outras medidas, como o incentivo ao abate, adotado por outros países europeus para renovação do parque automóvel, ou a abertura de benefícios fiscais na importação de veículos usados, vão fazer-nos regredir vários anos, desmotivando, assim, a população na procura por soluções ‘amigas do ambiente’. Não se pode, por isso, descartar as outras tecnologias, fazendo cair os poucos incentivos existentes que permitiam que os portugueses optassem por veículos menos poluentes.

A propósito, recorde-se a recente declaração de Adina-Ioana Vălean, responsável pela pasta dos Transportes na Comissão Europeia, referindo que a UE não tem energia limpa suficiente para uma transição direta para os veículos 100% elétricos. A comissária europeia lembrou também que os veículos híbridos “são uma excelente solução para o momento atual” e que esta tecnologia é “muito bem-vinda” no âmbito da descarbonização.

Com esta recente medida, os nossos decisores políticos agravam um sistema que cobra mais imposto (ISV) por grama de CO2 emitido em viaturas híbridas do que em viaturas iguais, com motores a combustão! Ou seja, o prémio por se colocar no mercado viaturas híbridas, menos poluentes, passa por tributá-las ainda mais do que uma viatura equivalente, a gasolina ou a diesel.

Sobre os veículos híbridos, importa perceber que, embora beneficiados numa parte do ISV por apresentarem menores emissões de CO2, a sua competitividade sai penalizada por se tratar de uma tecnologia apenas compatível com maiores cilindradas (logo penalizadas na outra componente do ISV) e também pelo custo de desenvolvimento inerente ao próprio sistema híbrido. Na prática, o esforço das marcas para colocar no mercado viaturas híbridas a um preço mais reduzido que veículos a combustão fica agora hipotecado com o fim dos incentivos fiscais, sendo praticamente impossível manter o rumo que vinha sendo seguido até hoje.

Estas tecnologias, a par dos veículos elétricos e dos movidos a hidrogénio, são o futuro da mobilidade. Nesta fase, não podemos, por isso, deixar que a ecomobilidade seja apenas sinónimo de veículos elétricos, caso contrário ficamos reféns de uma utopia, pelo menos a curto-médio prazo.

Se tivermos em conta a meta ambiental traçada pelo Governo até 2030, seria fácil perceber que as ações têm de ser tomadas agora e que deviam, por isso, incentivar todo o tipo de tecnologias amigas do ambiente e não apenas uma delas, por impossibilidade de resultados práticos.

A decisão do Governo exclui-o de uma luta pelo futuro da ecomobilidade e apenas demonstra a sua preocupação em arrecadar mais impostos, mantendo-se, teimosamente, agarrado a opções utópicas sem qualquer adesão à realidade dos nossos dias. Se estávamos na linha da frente a nível europeu no que à redução de emissão de gases poluentes diz respeito, agora caminhamos a passos largos para o epíteto de “patinho feio” da Europa.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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