Os direitos humanos são uma realidade viva

A pandemia de covid-19, enquanto crise de saúde pública sem precedentes, veio colocar enormes desafios à proteção do bem-estar e dos direitos humanos.

Comemoramos hoje o Dia dos Direitos Humanos, efeméride de singular transcendência para todos nós, como indivíduos e como sociedade. 

Há 72 anos, a 10 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento pioneiro que consagrou a igualdade e a dignidade de todo o ser humano, vinculando os governos à responsabilidade de promover e proteger esse conjunto de direitos e liberdades fundamentais.

Mas 2020 é particularmente pródigo em matéria de aniversários importantes para os direitos humanos: 75 anos da criação da Organização das Nações Unidas e 65 anos da adesão de Portugal; 70 anos da adoção da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; 25 anos desde a IV Conferência Mundial sobre a Mulher e da adoção da Plataforma de Ação de Pequim; 20 anos da Resolução 1325 do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre Mulheres, Paz e Segurança; e, ainda, 5 anos da adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável.

Este elenco de datas e instrumentos multilaterais documenta um roteiro, não isento de escolhos, que nos permite hoje reafirmarmos, com clareza, que os direitos humanos são universais, inalienáveis, indivisíveis e interdependentes, possuindo uma natureza transversal única, com implicações diretas na realização do indivíduo e no equilíbrio da sociedade.

Mantendo plena vigência e atualidade, estes princípios acham-se refletidos no acervo de valores e princípios da União Europeia e de outras organizações internacionais de que somos membros, plasmados em diversos instrumentos jurídicos a que Portugal está vinculado, do mesmo passo assumindo-se matriciais na definição das politicas públicas no nosso país.

Os direitos humanos são uma realidade viva, que acompanha a evolução humana, impulsionada por fatores de natureza vária, dando-se hoje por adquiridos direitos outrora desconhecidos, tidos por desnecessários ou até inimagináveis, como por exemplo o direito à privacidade digital.

Mas os direitos humanos não são um mero conjunto de boas intenções. São, outrossim, uma convocação para a ação concreta e consequente. É verdade que cabe aos Estados, em primeira linha, a obrigação de promover e proteger os direitos humanos, prevenindo violações ao nível nacional e cooperando com outros Estados para o cumprimento dos respetivos compromissos à escala global. Mas nenhum de nós, sem exceção, pode abster-se de exercer o direito de participar de forma ativa, livre e significativa no desenvolvimento das nossas sociedades. É de todos o dever de contribuir para proteger os direitos humanos, as liberdades fundamentais e a cultura democrática, assumindo uma postura cívica atenta, informada, participativa e, acima de tudo, solidária.

A pandemia de covid-19, enquanto crise de saúde pública sem precedentes, veio colocar enormes desafios à proteção do bem-estar e dos direitos humanos. As suas consequências constituem uma ameaça inédita para a nossa sociedade, com impactos socioeconómicos tangíveis, que vieram acentuar situações de desigualdade, expondo fragilidades preexistentes e fustigando os mais vulneráveis. Por outro lado, algumas das medidas de contenção adotadas acabaram por representar um desafio acrescido para o respeito pelos direitos humanos. O espaço público e a vida cívica tiveram de se adaptar, encontrando soluções alternativas, muitas delas passando por um maior recurso a ferramentas digitais, procurando, ao mesmo tempo, ultrapassar os riscos de desinformação.

Por esse motivo, a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), organismo de coordenação intergovernamental sobre os direitos humanos, a que tenho a honra de presidir e que este ano comemora o seu 10.º aniversário, organizou um ciclo de seminários digitais intitulado “Conversas em tempos de pandemia”, dedicado à temática “Os Direitos Humanos e a pandemia de covid-19”, promovendo discussões transparentes e inclusivas sobre matérias que interpelam fortemente as expectativas da opinião pública, visando promover maior aproximação à sociedade civil e o estreito envolvimento do mundo académico.

Além deste ciclo e das reuniões plenárias regulares que promoveu, a CNDH realizou sessões de formação na área dos direitos humanos e elaborou, com o contributo ativo dos seus membros, o documento “Portugal e a promoção e proteção dos direitos humanos em tempos da covid-19”, que se constitui repositório das principais medidas adotadas pelo Governo no contexto da pandemia, disponível para consulta.

No contexto europeu, tal iniciativa nacional insere-se no Plano de Ação da União Europeia para os Direitos Humanos e a Democracia 2020-2024, que reafirma o empenho da UE na promoção e proteção destes valores em todo o mundo, respondendo aos novos desafios colocados aos direitos humanos, à democracia e ao Estado de Direito.

No primeiro semestre de 2021, Portugal assumirá a Presidência do Conselho da União Europeia sob o lema “Tempo de agir: por uma recuperação justa, verde e digital”. Perpassando o conjunto de prioridades da nossa presidência, trata-se de desafio também ele inscrito no esforço contínuo, para que todos estamos convocados, de salvaguarda e promoção dos direitos humanos.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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