Fundador da famosa Universidade Johns Hopkins foi dono de escravos

Empresário e filantropo era visto como um defensor do fim da escravatura nos EUA em meados do século XIX, mas uma investigação da própria universidade descobriu uma história diferente.

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A fortuna de Johns Hopkins criou a universidade e o hospital que têm o seu nome Universidade Johns Hopkins

A descoberta de relações desconhecidas, ou escondidas até há poucos anos, entre a fundação de algumas das mais influentes universidades dos EUA e o passado de escravatura no país, afectou agora a reputação de uma das instituições mais famosas do mundo e que esteve em foco no combate à pandemia do novo coronavírus. Segundo uma investigação divulgada na quarta-feira, o benemérito empresário do século XIX Johns Hopkins, cuja fortuna criou a universidade e o hospital com o seu nome, e que era até hoje visto como um abolicionista no seu tempo, foi dono de escravos.

Os documentos que provam a ligação de Hopkins à escravatura foram descobertos numa investigação do departamento de História da famosa universidade do estado norte-americano do Maryland, no âmbito de um projecto que tem como objectivo “examinar o papel que o racismo e a discriminação desempenharam” na sua fundação, segundo o site oficial.

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Os documentos em causa, referentes aos censos de meados do século XIX, mostram que Hopkins era proprietário de um escravo em 1840 e de quatro em 1850. 

Até esta semana, o empresário e filantropo era admirado não só pela generosidade com que deixou a sua fortuna para a criação de hospitais, universidades e orfanatos, como também pela sua imagem de abolicionista.

“As nossas investigações revelaram que a história de Hopkins como quaker e abolicionista foi contada por descendentes de esclavagistas que libertaram os seus escravos, e foi adoptada após as comemorações dos 50 anos da fundação da universidade”, disse Martha S. Jones, professora de História e directora do projecto da Universidade Johns Hopkins, num artigo publicado no Washington Post.

“Em 1929, uma sobrinha-neta e admiradora [de Hopkins] publicou uma série de recordações que apagaram o papel do seu tio-avô na escravatura”, disse Martha S. Jones. “E, 50 anos depois, nas comemorações do nosso primeiro centenário, em 1976, a revista da universidade publicou uma pequena biografia de Hopkins que repetia as mesmas meias-verdades.”

Dono de escravos e abolicionista?

Em declarações ao Washington Post, o presidente da Universidade Johns Hopkins, Ronald J. Daniels, disse que não está nos seus planos propor ou discutir a possível substituição do nome da instituição: “Para mim, a nossa obrigação neste momento difícil é mudar a nossa narrativa, e não o nosso nome.”

“O facto de que Hopkins teve uma relação directa com a escravatura – um crime contra a humanidade que persistiu de forma trágica, no estado do Maryland, até 1864 – é, para nós, uma revelação dura. E sabemos que também o será para a nossa comunidade, no país e no estrangeiro, e em especial para os nossos alunos, professores e outros funcionários da comunidade negra”, disseram, num comunicado conjunto, Ronald J. Daniels e os responsáveis máximos do Hospital Johns Hopkins, Paul B. Rothman e Kevin W. Sowers.

No seu artigo de opinião, a professora de História Martha S. Jones salienta que Johns Hopkins pode mesmo ter sido um crítico da escravatura, ao mesmo tempo que era proprietário de escravos. “As minhas observações iniciais dizem-me que isso era possível, e que foi mesmo verdade no caso de muitos indivíduos nos primeiros tempos dos Estados Unidos”, disse Jones.

Entre as instruções que Hopkins deixou em vida para a utilização da sua fortuna estava a construção de um orfanato para crianças negras.​

Entre os alunos, há um misto de desilusão com as novas revelações e de orgulho com o facto de a universidade estar a enfrentar o seu passado.

“Ele está em todo o lado”, disse ao Post o presidente da associação de estudantes, Sam Mollin, referindo-se aos quadros com a figura de Hopkins que estão espalhados pela universidade. “Comemoramos o aniversário dele todos os anos.”

Agora, o logótipo da associação de estudantes pode perder a imagem do fundador da universidade. “Johns Hopkins era celebrado por ter sido abolicionista, e é uma desilusão saber que isso não era verdade. Não queremos um dono de escravos no nosso emblema”, disse Mollin.

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