Cada vez entendo menos este nosso mundo

Cada vez gosto menos de pessoas que se julgam muito importantes, e debitam palavras cheias de pretensa sabedoria em mundos virtuais, onde infelizmente circulam pessoas reais e que acreditam nessas palavras.

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"Sabe melhor acreditar em coisas boas, do que permanecer neste denso nevoeiro de pandemia" LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Circulamos cada vez mais indiferentes a significados,
entretidos entre rituais massificados
e cada vez menos ligados ao que realmente importa, na essência,
como seres humanos que sabemos ser.
(Sabemos?)

Cada vez entendo menos a forma
como automaticamente, vivemos.
Uma dormência colectiva,
aparentemente focada na vida,
mas essa aparência, engana.
(Nem todos; e eu, cada vez menos quero viver assim.)

Não quero ser mal interpretada.
Quem sou eu, afinal?
Sou exactamente igual a quem me lê agora,
nem mais nem menos, uma humana,
por dentro e por  fora,
e é assim que me vejo, cada vez mais.

Repito: cada vez entendo menos
este nosso mundo.
Por isso, não poderei ser apontada
como alguém que pretende impor a sua verdade, alguém superior,
alguma mente presumidamente iluminada
pelo dom profundo da clarividência.

Sei que não sou nada nem ninguém
em sentido lato,
neste vasto Universo, infinito,
onde o nosso planeta disserta os seus
movimentos monotonamente,
rotações e translações sucessivas,
a dissecar o tempo que cronologicamente vai passando.

Sei muito bem quem sou,
em sentido estrito:
- Mãe, filha, irmã, amiga, pediatra... Mulher.
Gosto de ser quem sou, neste nosso mundo de vida real e gente de carne e osso.

Gosto muito também de sonhar e divagar
pelas coisas que me fazem bem como humana,
e que aprendi que me fazem bem, com o passar dos anos.

Mas cada vez gosto menos de pessoas que se julgam muito importantes,
e debitam palavras cheias de pretensa sabedoria em mundos virtuais,
onde infelizmente circulam pessoas reais
e que acreditam nessas palavras.

Porque sabe bem acreditar em coisas boas.
Sabe melhor acreditar em coisas boas,
do que permanecer neste denso nevoeiro de pandemia,
pesadelo pesado e carregado nos ombros,
há meses, demasiado longos.

Mas nem sempre a verdade
é um imenso mar de coisas boas.
Simplesmente, é, a realidade.

Existem duas formas de a encarar:

- Uma, é entender que é verdade,
e fazer o que está ao nosso alcance,
custe o que custar,
para que a realidade da qual não gostamos,
possa mudar.
Se essa for uma possibilidade, o nosso esforço mostrará resultados, mais cedo ou mais tarde.

- Outra, é virar a verdade do avesso, percepcionando a realidade
como mais nos interessar.
Interpretar pelo nosso ponto de vista individual.
Acreditar em coisas boas, mesmo que não sejam verdadeiras.

Concretizando:

- No Natal que se avizinha,
no fundo todos sabemos bem que o ideal
é sermos contidos este ano.
Afinal, o significado que cada um lhe imprime
é o mais importante, e celebrar não é urgente,
quando a doença é uma possível consequência da festa.

E quantas vezes estamos de corpo presente nesses eventos, mas de coração ausente?

Não pode o coração sentir e manifestar
o carinho pelas suas pessoas,
sem estar com elas frente a frente,
em nome do bem comum e maior
que é extinguir a pandemia
o mais brevemente possível?

Cada vez entendo menos este nosso mundo,
porque vejo ao meu redor muita gente rendida
à vontade inadiável de festejar este Natal
como se fosse o último.

Esta jornada aparentemente infindável
pelos longos meses de pandemia
não ajuda a ter motivação
para encarar a realidade corajosamente.
É mais fácil acreditar na verdade virada do avesso, nos dias supostamente festivos, que se avizinham.

Pois eu, que cada vez entendo menos este nosso mundo e só sei que nada sei,
tenho a certeza que a verdade não vai mudar
só por ser essa a minha vontade.

Por isso, este Natal
tal como nos outros dias
destes longos meses de pandemia,
vou jantar na companhia dos meus filhos.
E alegria não vai faltar, certamente,
mesmo sendo um Natal diferente.

Estão bem vivas as lembranças do Natal do ano passado, junto dos avós:
a família inteira no serão de gargalhadas,
entre garfadas nas iguarias da consoada,
madrugada dentro bem passada,
com adultos e crianças entretidas pelos jogos de tabuleiro.

Não foi esse o nosso primeiro Natal familiar, e não terá sido o último, se Deus quiser.

Apesar de eu pouco saber, e cada vez menos entender este nosso mundo, estudei Medicina.

- Sei que um vírus muito contagioso espalhado por todo o lado se vai multiplicar exponencialmente,
se os humanos, que infecta indiscriminadamente, não tiverem cuidado.

- Sei também, e não preciso ser médica, faz parte do senso comum, que o pico da gripe é um presente de Janeiro, ano após ano.

- A gripe e a pandemia, somadas, vão aquecer o início do ano, fazendo esquecer o frio do Inverno. As urgências vão ficar sobrelotadas.

Esta vai ser a realidade, semanas após o Natal,
se cada um preferir ver a verdade do avesso,
em vez de a encarar corajosamente e,
custe o que custar, evitar o preço de acreditar nas coisas boas, só por ser mais fácil.

Mas cada um faz o que quiser.
Eu sei o que vou fazer, e assim, aconteça o que acontecer, terei a consciência tranquila,
uma das melhores coisas que um ser humano pode ter.
E cada vez menos entendo este nosso mundo,
porque me parece que isto é bem fácil de entender.

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