Que carreiras querem os doutorandos em Portugal?

Uma nova geração de doutores deixa as universidades, entrando nos sectores privado e público, onde poderão prestar um valioso serviço ao país. Recusam a velha figura do lente universitário como paradigma do seu futuro. É tempo de a universidade os acompanhar.

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Rui Gaudencio

Desde o início do milénio, o número de estudantes de doutoramento nas universidades portuguesas tem vindo a aumentar significativamente: de 3381 doutorandos no ano lectivo de 2000/2001 para 21.763 em 2019/2020 (estatísticas da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência). Uma questão pertinente a colocar será: que tipo de expectativas de carreira têm estes futuros doutores?

Consultando os mais recentes (2015) inquéritos Careers on Doctoral Holders, podemos identificar que a larga maioria dos doutores trabalha na área do Ensino Superior (83%), aparecendo o Estado como a segunda maior opção (10%), e com o sector empresarial a empregar apenas cerca de 6%. Estes dados parecem indicar que as principais opções de carreira são a docência ou a investigação em contexto universitário. Contudo, a realidade actual não é animadora: se, por um lado, os Concursos de Estímulo ao Emprego Científico têm apresentado taxas de aprovação reduzidas - com o concurso mais recente a aprovar apenas 8% das candidaturas submetidas -, por outro, o número de docentes contratados tem estagnado ou vindo a diminuir.

Este enquadramento tem levado os estudantes de doutoramento a reajustarem as suas perspectivas de carreira, para não partilharem da desilusão dos colegas. Na minha experiência enquanto representante, tenho ouvido, cada vez mais frequentemente, testemunhos de colegas que não equacionam qualquer carreira científica, por desilusão com a política de contratação no Ensino Superior e centros de investigação, ou por terem objectivos fora da universidade. Estas novas expectativas estão a evidenciar que muitos programas doutorais têm planos de estudos que não dão resposta a este tipo de doutorandos.

Se é intenção do Governo e das universidades continuar a aumentar o número de estudantes de doutoramento, então é indispensável começar a pensar na adaptação dos currículos para dar resposta a carreiras fora da academia. Este desafio obriga, naturalmente, a um esforço significativo para repensar o que deve ser um doutoramento. Se é claro que deve ser baseado na capacitação para a realização de investigação científica, expandindo a análise para as competências correspondentes às necessidades da vida fora da academia, começa a ser difícil definir uma boa solução. Nesta resposta, deverão estar presentes oportunidades para o desenvolvimento pessoal ao nível de soft-skills, assim como o incentivo à tradução prática das capacidades técnicas obtidas no curso de doutoramento. 

Para além disso, deveriam ser disponibilizados serviços de orientação de carreira nas universidades, especialmente adaptados às necessidades dos estudantes de doutoramento. Esta iniciativa não se deve limitar aos gabinetes de empregabilidade, que se focam desproporcionalmente nos diplomados de primeiro e segundo ciclos, mas deve ser expandida para sistemas de tutoria contínua e dirigida ao desenvolvimento pessoal dos doutorandos (career coaching). Estas são apenas algumas possíveis soluções de resposta para a mudança de paradigma no emprego de doutores em Portugal. Se, por um lado, é indispensável garantir financiamento suficiente para o acesso a carreiras científicas dignas, não podem ser esquecidos todos aqueles que procuram um doutoramento para obter uma formação que lhes permita trabalhar fora da academia.

Uma nova geração de doutores deixa as universidades, entrando nos sectores privado e público, onde poderão prestar um valioso serviço ao país. Recusam a velha figura do lente universitário como paradigma do seu futuro. É tempo de a universidade os acompanhar. 

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