A supervisão das casas de acolhimento de crianças e jovens e a importância da sua obrigatoriedade

Como se justifica que a supervisão das casas de acolhimento de crianças e jovens continue a ser uma decisão voluntária das próprias direções das casas?

O objetivo primordial da supervisão externa em contexto de acolhimento residencial de crianças e jovens é a promoção da qualificação do acolhimento. Esta constatação pressupõe uma reflexão permanente, antes de mais, sobre os recursos e respostas à disposição dos cuidadores para poderem criar um ambiente o mais próximo possível do contexto familiar nas casas e a capacitação das equipes de cuidadores para uma intervenção terapêutica com as crianças/jovens (e, sempre que possível, também com a sua família).

Esta intervenção em acolhimento residencial visa ajudar as crianças/jovens a ultrapassar as dificuldades e problemas que estiveram na origem da sua retirada do contexto natural de vida, permitindo a concretização do seu projeto de vida / projeto de promoção e proteção, no respeito total pelos seus direitos, pela legislação em vigor, pelas recomendações da entidade tutelar e pelos standards internacionais da qualidade do acolhimento residencial.

Face ao novo perfil das crianças e jovens em acolhimento, as equipas de cuidadores enfrentam desafios adicionais para realizarem o planeamento de uma intervenção pautada pela compreensão e adequação às necessidades concretas das crianças e jovens acolhidos e sustentada no conhecimento científico mais atual. Sublinha-se o papel da relação criança/jovem-cuidador e do clima afetivo como fatores preditores da satisfação com o acolhimento residencial e da importância de uma criteriosa avaliação diagnóstica que possibilite a identificação das necessidades da criança/jovem e a definição de um adequado plano individual de intervenção.

Ainda que a exploração de expectativas e a clarificação do papel do/a supervisor(a) deva ser realizada em cada casa de acolhimento, revela-se fundamental para a qualificação da casa que a intervenção da supervisão tenha em conta princípios que impõem que o/a supervisor(a) preste o seu olhar atento a diversas dimensões.

Destacam-se como dimensões privilegiadas nas quais o/a supervisor(a) deve centrar a sua atenção as práticas da casa de acolhimento no que concerne aos cuidados diários às crianças e jovens e a gestão dos grupos, o rigor técnico no que concerne à definição dos projetos de promoção e proteção e dos planos individuais, a intervenção com as famílias, o enquadramento do trabalho das diferentes equipas (técnica, educativa e de apoio), a circulação da informação e a gestão de conflitos e do stress inerente ao elevado desgaste da função de cuidador/a.

Compete, pois, à supervisão externa a partilha de uma visão mais distanciada e especializada, mas comprometida, enquadrada pelos conhecimentos científicos na área do acolhimento residencial e pela experiência profissional do supervisor. Esta visão deve ser baseada na informação recolhida junto dos diversos agentes da casa de acolhimento, permitindo questionar, desafiar, orientar, formar e apoiar a equipa de cuidadores num processo que se pretende de melhoria contínua, sempre sobre a égide dos direitos das crianças consagrados na Lei e na Convenção Sobre os Direitos das Crianças ratificada por Portugal há 30 anos.

Assim sendo como se justifica que a supervisão das casas de acolhimento de crianças e jovens continue a ser uma decisão voluntária das próprias direções das casas? Como pode a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo continuar a ser omissa neste aspeto? Porque apenas as casas de acolhimento que aceitam voluntariamente fazer parte do plano Plano SERE+ têm obrigação de ter supervisão?

É verdade que o Decreto-Lei nº 164/2019 de 25 de outubro, que regulamenta o regime de execução do acolhimento residencial, considera, no seu artigo 26º, como um dos deveres das casas de acolhimento ter em funcionamento um modelo de supervisão externa que promova a qualidade, responsabilizando diretamente as direções pela sua implementação. Ainda assim, tal pode não ser interpretado como uma obrigação pelas casas de acolhimento, pelo que, para que esta oportunidade de fazer chegar efetivamente a supervisão a todas as casas de acolhimento não fique esquecida, seria importante que este ponto venha a ser reforçado na (tão desejada) Portaria a que faz referência o referido Decreto Regulamentar. Esta é mais uma razão para que a Portaria do Acolhimento Residencial seja publicada.

Agora que, com mais de um ano de atraso e depois de quatro anos de espera pela regulamentação, saiu finalmente a Portaria n.º 278-A/2020 de 4 de Dezembro que define os termos, condições e procedimentos do processo de candidatura, seleção, formação e avaliação das famílias de acolhimento, bem como o respetivo reconhecimento, falta, com os mesmos 5 anos de atraso, a publicação da correspondente Portaria para o Acolhimento Residencial.

Importa que na Portaria do Acolhimento Residencial a obrigação da supervisão externa não seja esquecida. Este pode ser, também, o momento para que seja definido um modelo de supervisão e estabelecidas diretivas que norteiem a prática da supervisão em acolhimento residencial, uma vez que o exercício da supervisão de casas de acolhimento em Portugal nunca beneficiou da existência de princípios orientadores.

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