A Matemática e o fantasma de Nuno Crato

A remissão do pecado da Matemática para Nuno Crato, que está fora de jogo há mais de uma legislatura, não é apenas ridícula: é contraproducente e perigosa

Depois de vários anos de boas notícias na frente da educação que nos chegavam através de importantes estudos internacionais, estão aí os primeiros indicadores que nos permitem suspeitar de que a tendência positiva congelou. Mas em vez de todos (pais, professores, Governo, oposição) sermos convocados para uma reflexão profunda capaz de nos ajudar a entender o que está a acontecer, o secretário de Estado da Educação, João Costa, abriu o período de caça aos suspeitos do costume: os seus antecessores no Governo. A remissão do pecado para Nuno Crato, que está fora de jogo há mais de uma legislatura, não é apenas ridícula: é contraproducente e perigosa. Porque tenta encontrar uma resposta a um problema grave e complexo como o da avaliação dos nossos alunos através da menção de um simples bode expiatório.

Se só o mais puro primarismo argumentativo nos pode levar a acusar o actual ministério pela queda de 16 pontos nos conhecimentos de Matemática no 4.º ano, da mesma forma não se pode eximir por completo os anteriores Governos do que hoje se está a passar. Na prática, os programas duram há anos e na educação as reformas geram sempre efeitos de longo prazo. Mas entre aquilo que permanece incólume do mandato de Nuno Crato e que a actual equipa alterou há questões a discutir. Acabar os exames do 4.º ano, optar pelo discurso das “aprendizagens” em vez de insistir na velha Matemática da tabuada e das contas de cor são, como recorda Nuno Crato, responsabilidades do actual Governo. De resto, Nuno Crato não pode ser o eterno fantasma dos problemas da Matemática.

Dizer neste contexto que a culpa é do anterior Governo envolve uma tentativa de encobrimento de responsabilidades próprias que não ajudam a resolver o problema. Porque, não nos iludamos, há um problema. Os alunos portugueses, os professores e toda a comunidade educativa não perderam competências de um dia para o outro nem o extraordinário progresso das nossas escolas medidas através do TIMSS ou do PISA não ficou irremediavelmente perdido. Mas havia um caminho que aproximava os desempenhos dos nossos alunos ao dos países mais avançados, e esse caminho está a desaparecer.

Deixemo-nos então da politiquice barata do passa-culpas, deixemos Nuno Crato no seu remanso e ouçamos que respostas tem o Ministério da Educação para voltar aos bons desempenhos nos estudos internacionais. Mais do que fazer julgamentos do passado, a nossa escola precisa é de ideias para o futuro. Que sejam capazes de incorporar os valores das aprendizagens que o Governo defende sem deixar de lado a ideia de que ensinar Matemática, Ciências ou Português com rigor e exigência é uma responsabilidade que a escola tem para com os seus alunos.

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