Como vão os especialistas celebrar o Natal? No hospital, dentro da “bolha” e sem grandes festas

Cinco especialistas em Saúde contam ao PÚBLICO como vão celebrar o Natal e o Ano Novo, numa altura em que o país tenta controlar o número de casos de infecção pelo novo coronavírus. As estratégias variam, mas a certeza é uma: é preciso reduzir o número de pessoas à mesa.

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De cima para baixo, da esquerda para a direita: Maria João Brito, Filipe Froes, Tiago Correia, Elisabete Ramos e Bernardo Gomes MIGUEL MANSO, NELSON GARRIDO, DR

Alguns passarão o Natal a trabalhar no hospital, outros o Ano Novo. Por outro lado, quem tem a sorte de poder celebrar estas datas em casa garante que este ano será diferente, com presentes enviados por correio e videochamadas. Reduzir o número de pessoas à mesa é a principal preocupação dos cinco especialistas em saúde pública e internacional, epidemiologistas e médicos com quem o PÚBLICO falou, numa altura em que o país tenta controlar o número de casos de infecção pelo novo coronavírus.

Embora as restrições anunciadas pelo Governo não estabeleçam um limite máximo de indivíduos a reunirem-se durante a época festiva, devemos ter em mente que é essencial “reduzir o número de pessoas”, começa por alertar Tiago Correia, professor de Saúde Internacional e investigador do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (IHMT). O especialista e a sua família decidiram este ano pôr em prática o conceito da “bolha” de contactos durante as celebrações, o que significa que apenas se pretendem reunir com as pessoas com quem habitualmente já convivem. “Essas são as pessoas do meu agregado familiar e, portanto, é com elas que vou estar no Natal e fazer as refeições sobretudo sem alguns cuidados” [como a distância social e o uso de máscara], diz. Ficará de fora a família mais alargada, na esperança de que o WhatsApp e outras tecnologias encurtem a distância.

“Os presentes desses familiares para as crianças vão chegar por correio mais cedo”, mas a rede de contactos não será alargada para protecção sobretudo das pessoas mais velhas": “Sabemos que as crianças e as pessoas saudáveis podem ser assintomáticas e isso preocupa-nos muito”, nota o investigador do IHMT.

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Lisi Niesner/REUTERS

Já Maria João Brito, coordenadora do serviço de infecciologia do Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, fará parte do grupo de muitos profissionais de saúde que vão trabalhar no Natal. “O Natal e o Ano Novo são rotativos e este ano calhou-me o Natal, portanto, o meu dia 25 de Dezembro vai ser passado no hospital”, conta ao PÚBLICO, recordando que “esta não é a primeira vez”.

Porém, este será certamente um Natal diferente. Se, em anos anteriores, era habitual os profissionais de saúde do Hospital Dona Estefânia que estivessem a trabalhar na época natalícia juntarem-se, este ano não vai haver celebração. “No dia de Natal a nossa equipa de banco costumava-se juntar e cada um levava uma coisa: uns traziam queijo, outros vinho, outros peru. Este ano isso também não vai haver, cada um de nós vai ter que comer sozinho como se fosse um dia normal”, explica.

Para as crianças que estão hospitalizadas será também um Natal mais triste, sem a habitual distribuição de prendas. “No meu serviço costumam ser os alunos da faculdade que vêm fazer a distribuição dos presentes. O problema é que a minha unidade agora tem casos de covid-19”, nota Maria João Brito, dando o exemplo de uma criança que estava internada no Hospital Dona Estefânia com uma “forma grave” de covid-19 e teve que passar o aniversário sozinha no quarto com a mãe. “Nós até mandamos comprar um bolo, mas passou o aniversário sozinho e o Natal também vai ser assim. Não vai poder vir família nem visitas”, lamenta.

A família de Maria João Brito também não passará a noite de Natal junta. “Decidimos, até porque temos várias pessoas de grupos de risco e idosos, que não iremos passar o Natal tradicional. Cada um vai ficar na sua casa com os seus conviventes habituais”, refere.

Quanto ao Ano Novo, a médica infecciologista vai também celebrar “em casa com a família mais próxima” com quem habita. “Costumava passar o Ano Novo com amigos, um grupo mais coeso de dez ou 12 pessoas. Costumávamos ir jantar e depois ficar a conversar até às 2h ou 3h da manhã e a celebrar o ano, mas este ano também não vai acontecer”, diz.

“Um Natal pela segurança das famílias”

Ao pneumologista Filipe Froes calhou “estar de banco” no hospital no dia 1 de Janeiro. “Este ano não faço o dia 24 nem 25 de Dezembro porque houve colegas meus que não fizeram no ano passado e que tiveram a amabilidade de se oferecerem este ano”, conta ao PÚBLICO. “Para mim, este Natal, mais do que um Natal em família, é um Natal pela segurança das famílias. A minha família já é muito reduzida e, de qualquer maneira, vou garantir que vai ser um Natal diferente, provavelmente limitado às pessoas com quem eu já convivo habitualmente. Nem vai haver deslocações”, destaca.

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Hospital Militar do Porto JOSÉ COELHO/LUSA

“Quem trabalha em saúde está já habituado a perceber que estes dias muitas vezes são também dias de trabalho”, diz Filipe Froes, que vai passar o primeiro dia de Janeiro com a sua outra família do hospital. “Geralmente, no hospital há um momento na Passagem de Ano em que se abre um espumante ou se faz um brinde e come-se bolo-rei. É habitual também se celebrar e temos um espírito de família. Quem trabalha nos hospitais, no fundo, tem esta sorte de ter duas famílias, uma em casa e outra no trabalho”, afirma.

Cuidado à mesa

Para quem poderá celebrar as datas em casa, Tiago Correia deixa um conselho: “Se possível, as refeições não devem ser feitas com pessoas fora do agregado doméstico.” Por outro lado, se as famílias decidirem mesmo assim reunirem-se, “devem fazê-lo nas alturas do dia em que não haja sobretudo reuniões à mesa”, uma vez que estas são alturas em que “estamos sem máscara e muito próximos”. 

No que diz respeito à Passagem de Ano, também importa reduzir os contactos. “As pessoas não devem estar fora da ‘bolha’ e sobretudo os jovens não se devem este ano juntar com os seus amigos, não devem brindar nem celebrar juntos à mesa”, diz o especialista.

Reduzir o risco nos dias anteriores à ceia

Outra estratégia passa por reduzir o risco nos dias anteriores à ceia de Natal. “Aquilo que eu vou tentar fazer e aconselho é haver um período, que vai algures entre os sete aos dez dias antes do dia 24 de Dezembro, em que as pessoas evitem ao máximo (embora haja sempre algumas excepções) exposições de risco. Ou seja, tudo aquilo que nós podemos fazer que exija maior contacto social ou eventos sociais devemos tentar agendar no máximo até dia 17 ou 18 de Dezembro para que a quantidade de risco transportada por cada um de nós para a mesa de Natal seja o menor possível”, começa por explicar Bernardo Gomes, médico de saúde pública na Administração Regional de Saúde do Norte. Além disso, no próprio dia, se alguém tiver sintomas compatíveis com a covid-19 não deve participar nas celebrações.

Bernardo Gomes reafirma a importância de “limitar o número de pessoas que se senta à mesa”, referindo um máximo de dez pessoas como um número indicativo. “Mas, na verdade, o que mais importa é não alargamos na época natalícia os contactos para além daqueles que são habituais”, explica.

O médico de saúde pública planeia celebrar o Natal apenas com os pais e sogros, além da mulher e do filho, podendo eventualmente juntar-se um irmão ou membro da família mais chegada. “Mas serão sempre números abaixo de dez e idealmente abaixo de seis [pessoas], com todos os cuidados que mencionei. Há também a hipótese de fazer uma videoconferência por WhatsApp ou outra plataforma para falar com elementos da família que não estejam naquele momento”, esclarece.

Elisabete Ramos, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, alerta também para a necessidade de “reduzir os contactos” e ter cuidados acrescidos para minimizar o risco de transmissão nas duas semanas anteriores à consoada. O objectivo é garantir que passamos um Natal seguro e que “no próximo ano possamos ter uma ceia que compense a deste ano” com as pessoas de quem mais gostamos (e que devemos proteger).

Habitualmente, Elisabete Ramos costumava passar o Natal em família, com a mãe e os tios, mas este ano será mais limitado. “Não vamos juntar-nos com o resto da família para evitar que haja mais contactos. Vou fazer uma visita à tarde breve para entregar os presentes, sem partilha de comida, apenas para conversar um bocadinho com distância e com segurança e depois a noite será só com a minha mãe”, afirma, destacando que o Ano Novo será idêntico.

Compras de Natal antes de 15 ou 17 de Dezembro

Bernardo Gomes apela ainda a que as pessoas façam as compras de Natal também antes do dia 15 ou 17 de Dezembro para minimizar o risco. “É importante tentar fazer as compras o mais cedo possível para que não estejamos expostos e para evitar a concentração de pessoas mais próximo da data”, nota.

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Compras de Natal em Londres, Reino Unido ANDY RAIN/EPA

Quanto aos planos para a Passagem de Ano, Bernardo Gomes está ainda indeciso sobre se celebrará a data com alguém para além do seu agregado. “Dependerá de como as coisas correrem no Natal. Mas, mais uma vez, será algo certamente restrito. Estamos a falar abaixo de cinco pessoas eventualmente ou há até a hipótese de ficar em casa só eu, a minha mulher e o meu filho. O que está completamente fora de questão são grandes ajuntamentos ou festas.”

Bernardo Gomes acredita que “nos próximos dias" vão surgir “boas notícias em termos da descida do número de casos”. “Mas a verdade é que nós temos que descer muito. Ou seja, não podemos ficar confortáveis com números na casa dos milhares por dia porque é um comboio demasiado grande para transportar”, alerta, destacando que se houver “um evento com muita gente ou de superspreading rapidamente os números multiplicam e perdemos a mão”. Tem, portanto, que haver “um esforço contínuo para tentar manter as medidas” e cumprir as restrições.

O especialista em Saúde Internacional Tiago Correia lembra, por sua vez, que a responsabilidade social será vital nesta fase. “Temos de pensar que se as coisas se descontrolam muito na época das festividades vamos ter que pagar isso durante o mês de Janeiro e já todos percebemos a dificuldade que haverá para enormes sectores se tivermos que fechar actividades”, alerta.

Já Filipe Froes não deixa margem para dúvidas: “Neste Natal é preciso valorizar o que realmente é importante e adaptá-lo às necessidades de saúde e segurança, de maneira a garantir que continua a haver sempre Natais para todos.”

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