Centros de saúde conseguem administrar 400 mil doses das vacinas “numa semana a dez dias”

Se a primeira fase da vacinação contra a covid-19 se adivinha fácil, a segunda será já muito complicada, antecipam os representantes de médicos e enfermeiros nos centros de saúde. Vai ser preciso contratar mais enfermeiros e, sobretudo, mais secretários clínicos para convocar as pessoas a vacinar, avisam.

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Daniel Rocha

Os representantes dos profissionais dos centros de saúde - onde vão ser vacinadas logo na primeira fase do plano de imunização contra a covid-19 400 mil pessoas a partir de 50 anos com doenças mais graves, como insuficiência cardíaca e doença coronária - estão convencidos de que em pouco tempo conseguem levar a cabo esta tarefa. “Bastará uma semana a dez dias para vacinar [com a primeira dose] estes doentes. Serão cerca de 400 doses por unidade de saúde”, calcula o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF), Rui Nogueira. Mas esta será apenas a primeira parte da inoculação porque as pessoas terão que regressar aos centros de saúde para receberem a segunda dosagem com um intervalo de tempo que pode chegar a quase um mês.

“Na primeira fase, se mantiverem estes grupos de risco, as 900 unidades funcionais [dos centros de saúde] e algumas extensões em locais mais isolados têm capacidade para vacinar com rapidez”, corrobora o presidente da Associação Nacional das Unidades de Saúde Familiar (USF-AN), o enfermeiro Diogo Urjais. Mas os dois avisam, desde logo, que a segunda fase - em que está prevista a imunização de 2,7 milhões de pessoas, as que têm mais de 65 anos e 900 mil doentes crónicos – é um desafio bem mais complicado que implicará a contratação de mais enfermeiros e, sobretudo, de secretários clínicos que escasseiam nos centros de saúde.

A primeira fase da operação inclui ainda, além das 400 mil pessoas com doenças mais graves que vão ser vacinadas nos centros de saúde, os funcionários e residentes em lares e unidades de cuidados continuados (250 mil), e 300 mil profissionais de saúde, das forças de segurança e forças armadas. A previsão é que termine, dependendo do ritmo de abastecimento das vacinas, em Fevereiro, num cenário optimista, ou em Abril, no cenário mais pessimista.

Reunidos pela primeira vez esta sexta-feira com os responsáveis pelo grupo de trabalho do plano de vacinação, que é coordenado pelo ex-secretário de Estado da Saúde Francisco Ramos, Rui Nogueira e Diogo Urjais aproveitaram para elencar alguns problemas que terão que ser resolvidos rapidamente para que esta operação de vacinação em massa decorra sem vicissitudes.

A expectativa é grande, de tal forma que “já há pessoas a querer agendar a vacinação”, relata Diogo Urjais, que defende que vai ser necessária “muita organização e uma grande aposta na comunicação” com a população “para evitar correrias, desconfiança e stress desnecessários”, como “aconteceu com a vacinação contra a gripe” que está agora na fase final.

Não vale a pena ir a correr para os centros de saúde. Os cidadãos incluídos nos grupos prioritários serão convocados e será agendada a sua vacinação, com os intervalos necessários para a administração da segunda dose. Mas logo aqui “há dois problemas marginais”, diagnostica Rui Nogueira: os doentes que não têm médico de família atribuído, e que se concentram sobretudo na região de Lisboa e Vale do Tejo, e o grupo mais pequeno daqueles que não são seguidos nos centros de saúde por sua opção. Estes últimos terão que apresentar uma declaração médica, como já tinha explicado na quinta-feira Francisco Ramos. Quanto aos que não têm médico de família, mas estão inscritos nos centros de saúde, terão de ser identificados e contactados.

“Há ainda outros dois problemas de circunstância”, acrescenta o presidente da APMGF: os doentes que residem em aldeias recônditas – e aqui os bombeiros podiam ajudar, sugere – e os imigrantes cuja situação não está regularizada. Também os lares não legalizados (os residentes em lares também fazem parte do primeiro grupo a vacinar) representam um desafio. Se não tiverem recursos próprios, terão que ser os enfermeiros das equipas de saúde pública a ir lá para vacinar os idosos, acentua Diogo Urjais. 

Contratar para a segunda fase

Na segunda fase, com mais de cinco milhões de doses a administrar, a tarefa será bem mais complexa. Por isso, reclamam os dois, vai ser necessário contratar mais profissionais, não só enfermeiros, mas sobretudo secretários clínicos que escasseiam nas unidades - porque “não se abrem concursos há uma década” - e contratualizar trabalho extraordinário. Diogo Urjais recorda que na vacinação contra a gripe, com um universo de vacinados bem menor, algumas unidades já tiveram que trabalhar ao sábado e Rui Nogueira defende que na mega operação da imunização contra a covid-19 não se pode parar ao fim-de-semana e deve pedir-se a colaboração das farmácias. “Podem vacinar os idosos saudáveis”, propõe.

Recordando as operações de vacinação a nível mundial contra a varíola, em 1956, o sarampo e a poliomielite, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros (OE), Ana Rita Cavaco, acredita que os profissionais que representa conseguem dar conta do recado, até porque esta é, afinal, “outra campanha” de imunização “em massa”. A diferença, agora, é que as vacinas contra a covid-19 que estão em fase mais avançada de aprovação – a da Pfizer/BioNTech e a da Moderna – “requerem temperaturas de armazenamento e conservação muito baixas”.

Reunida na semana passada com Francisco Ramos, Ana Rita Cavaco revela que já sugeriu que, em vez de se alargar os horários dos centros de saúde, porque estes estão agora limitados do ponto de vista dos espaços por causa da pandemia que não permite aglomerações nas salas de espera, se organize a vacinação noutros locais, por exemplo em pavilhões gimnodesportivos localizados ao pé das unidades. “Facilmente conseguimos montar postos de vacinação em qualquer lado, desde que os espaços sejam grandes e permitam cumprir o distanciamento de segurança”. No Serviço Nacional de Saúde (SNS), lembra, há cerca de 45 mil enfermeiros. Muitos trabalham nos hospitais, mas Ana Rita Cavaco defende que estes também podem ser integrados nas brigadas de vacinação.

São os enfermeiros do SNS que “prioritariamente vão vacinar”, frisou esta sexta-feira o secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, que admitiu um reforço de meios, se tal se revelar necessário. Sobre a possibilidade de os centros de saúde terem que alargar os horários de funcionamento, afirmou que “é possível”, mas ressalvou que a decisão cabe às unidades locais de saúde e aos directores executivos dos agrupamentos dos centros de saúde. “Na primeira fase haverá 1200 pontos de vacinação e na fase mais posterior podemos pensar noutros pontos de vacinação, nomeadamente se for preciso uma vacinação mais maciça, com campanhas em escolas, em pavilhões ou noutros pontos de proximidade que possam dar um melhor acesso aos doentes”, especificou.

Um dia após a apresentação do plano, já surgiram críticas: a Liga de Bombeiros Portugueses lamentou que os mais de 30 mil bombeiros “não sejam citados expressamente” como incluídos na primeira fase de vacinação e a Liga Portuguesa contra o Cancro reclamou que os doentes oncológicos, sobretudo aqueles que têm doença activa e que estão incluídos na segunda fase, sejam inoculados logo no início.

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