A reconciliação como pré-requisito para a Paz

A presidência portuguesa da UE pode estimular esta reconciliação indispensável propondo uma declaração que refira que os dois movimentos nacionais, o palestiniano e o sionista, reconhecem mutuamente a sua legitimidade e a da sua presença no território chamado Eretz Israel, ou Sião ou Palestina e, como consequência desse reconhecimento, um acordo de paz baseado na boa vizinhança entre os dois Estados seria engendrado.

No artigo “A questão palestiniana”, de Alexandre Guerra, ele lamenta a morte de Saeb Erekat, como a do grande negociador da Autoridade Palestiniana (AP), o único que sempre se ateve ao processo negocial. Junto a minha tristeza a este falecimento. A equipa médica israelita do Hospital de Hadassah, em Jerusalém, lutou pela sua vida até que, hélas, venceu o coronavírus.

Devo dizer que concordo com grande parte da análise do autor. Entre várias coisas, com a descrição da instrumentalização da causa palestiniana pelos países árabes.

Realmente, o ódio pelo “inimigo sionista” comum funcionou, através de gerações, como a cola legitimadora de regimes tirânicos e corruptos que nada fizeram pelos seus povos, quanto mais pelos palestinianos.

Ainda assim, não podemos escamotear que os seus próprios líderes não melhoraram a sua condição. A questão da corrupção, essa deixo-a para os palestinianos lidarem. Mas, e os donativos dos países europeus? Eu recomendaria intensificar as auditorias no que respeita ao utilizador final do dinheiro do contribuinte europeu. Afinal, seria melhor que fosse destinado a projectos reais de melhoramento das condições de vida da população palestiniana e não acabasse nos bolsos dos seus políticos ou de pesadas e supérfluas organizações internacionais criadas pela ONU com o único intuito de eternizarem a questão palestiniana. 

Arafat, um terrorista encharcado em sangue, podia ter aproveitado a oportunidade que lhe foi oferecida com Clinton em Camp David, juntamente com o PM Barak, regressando com um acordo histórico nas mãos. Preferiu manter-se na sua zona de conforto: terrorismo, sangue e mais terrorismo.

O seu sucessor, Mahmoud Abbas, teve a oportunidade de chegar a acordo com o PM Olmert mas, com a desculpa esfarrapada de que Olmert estava no crepúsculo do seu mandato, também ele regressou de mãos vazias a Ramallah e à sua própria zona de conforto: a vitimização.

Com a vitimização constante, com a culpabilização de Israel por tudo, a liderança palestiniana desresponsabiliza-se pelas suas acções e pelos seus erros. Como refere Guerra, citando um jovem palestiniano: “Podemos culpar os israelitas por muitos dos nossos problemas, mas não podemos culpá-los por tudo. Chegámos a um ponto em que, se temos um botão a desprender-se da nossa camisa, culpamos os israelitas.”

É este o âmago do conflito. Enquanto a narrativa palestiniana se basear na vitimização e na exclusividade da legitimidade da sua presença nesta terra em que os nossos dois povos vivem, nunca haverá paz.

Guerra escreve que, nos Acordos de Oslo, muitos tópicos importantes foram deixados para trás sem serem abordados. Também aqui concordo com ele.

Do lado israelita estavam os falecidos Rabin e Peres, líderes do Partido Trabalhista. Escusado será dizer que tinham boas intenções. Só que agiram guiados pelo espírito pragmático que sempre caracterizou o partido que fundou Israel. O mesmo pragmatismo que levou Ben Gurion a aceitar o Plano de Partição da ONU, em 1947, conquanto estivesse muito longe de o satisfazer.

Foi este também o pragmatismo que levou Rabin e Peres a acreditar que a nova realidade, inegável, no terreno, iria trazer a tão almejada paz. Acreditavam que a fundação da AP na Judéia, Samaria e Gaza com Arafat como Presidente levaria, gradualmente, a ver maturar o Estado palestiniano num vizinho pacífico.

Este pragmatismo, que fazia todo o sentido para o movimento sionista, provou ser ineficaz na dinâmica com os palestinianos.

Rabin e Peres, que reconheceram o direito palestiniano à autodeterminação dispondo-se a garantir importantes concessões, fizeram, na realidade, uma projecção deles mesmos, errando redondamente ao acreditar que o outro lado estava no mesmo comprimento de onda, no mesmo plano de evolução ideológica. Em suma, nem sentiram a necessidade de confirmar primeiro se os palestinianos estavam prontos para uma reconciliação.

Os palestinianos, que reclamaram durante anos (e conseguiram) o reconhecimento da autodeterminação do seu movimento nacional, não reconheceram até hoje o mesmo direito ao movimento sionista, que é o movimento nacional do povo judeu. A presença israelita na terra de Israel é descrita como uma invasão por estrangeiros, normalmente comparada com o Estado, efémero, dos cruzados. A liderança palestiniana encorajou o seu povo, aliás, a guardar as chaves das casas de avós e bisavós, abandonadas durante a guerra de 48, cultivando-lhes as ilusões de que irá, um dia, a elas regressar. 

Os textos dos seus livros escolares estão pejados de incitamento ao ódio e demonização dos israelitas. Nem sequer veladamente fazem alusão a um futuro comum connosco, a uma reconciliação. Não preparam as suas futuras gerações para uma mentalidade diferente. 

O aparecimento de um novo líder palestiniano, corajoso, que inicie um profundo processo de reconhecimento da realidade bem como da nossa presença lá, ainda não se concretizou. O real processo de reconciliação, que é um pré-requisito para a paz, ainda não começou.

A presidência portuguesa da UE poderá contribuir para um tal processo reconciliatório sem o qual não haverá lugar a uma paz verdadeira, tal como vocês a experienciam na Europa. Pode estimular esta reconciliação indispensável propondo uma declaração que refira que os dois movimentos nacionais, o palestiniano e o sionista, reconhecem mutuamente a sua legitimidade e a da sua presença no território chamado Eretz Israel, ou Sião ou Palestina e, como consequência desse reconhecimento, um acordo de paz baseado na boa vizinhança entre os dois Estados seria engendrado. 

Não é um processo fácil, requer até uma busca emocional profunda, mas é a única forma de alcançar não apenas um acordo “técnico” mas uma paz genuína e duradoura baseada não apenas numa simples vizinhança (a experiência com Gaza não é muito encorajadora), mas também na gestão e coordenação comuns de recursos naturais e infra-estruturas que um território tão exíguo requer. 

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