O quebra ovos e a luta pela liberdade em Hong Kong

São muitos os que continuam a protestar, formando uma gigante muralha, tentando proteger esta, agora, frágil democracia. São jovens, principalmente os meus colegas estudantes universitários, que têm sido o escudo que zela pela liberdade de expressão e pela defesa dos direitos humanos.

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Reuters/SUSANA VERA

Foi durante uma viagem de autocarro que um amigo me mostrou uma notícia da CNN com o título: “Manifestante de Hong Kong condenado a 21 meses de prisão por atirar ovos, enquanto o poder judicial cidade é pressionado para adoptar uma linha mais dura.”.

Desde logo, a notícia fixou a minha atenção não só pelo título insólito, mas também pela imagem que o ilustrava, um homem com óculos de natação, de calções e com alguns ovos na mão. O que podia ser cómico não o é, não estivéssemos nós a falar dos recentes acontecimentos em Hong Kong. Não, o quebra ovos não é nenhum comediante, nem a notícia é uma piada: este homem foi mesmo condenado a pena de prisão e não foi só por partir ovos na via pública. Pouco se sabe sobre ele, apenas que à semelhança da história do Quebra Nozes, em que um soldado luta contra a tirania do rei rato, o nosso quebra ovos é um soldado da democracia e luta contra a tirania do rei XI.

O contexto da foto é mais um dos protestos que têm ocorrido neste micro estado asiático, protestos esses que já duram desde Junho. O motivo em causa é a aprovação da lei que permite a extradição de suspeitos de qualquer crime para a China, obrigando, assim, a que qualquer cidadão de Hong Kong se submeta às regras do sistema judicial chinês, onde, à semelhança de todas as ditaduras, a tortura é prática comum.

Apesar de Hong Kong ser administrada pela China, possui até aos dias de hoje um sistema judicial próprio - aliás essa foi uma das condições postas na passagem de Hong Kong de território britânico para região administrativa chinesa, bem como a manutenção da democracia.

“Um país, dois sistemas” foi este o principal slogan da campanha de integração de Hong Kong em território administrativo chinês em 1997. Um conceito da autoria do ex-presidente chinês Deng Xiaoping que serviu para maquilhar as reais intenções da China de anexar e oprimir este pequeno e próspero país. Estratégia que o actual presidente Xi Jinping tem seguido à risca, de forma a tornar Hong Kong mais um pedaço de terra regido pela ditadura do partido comunista chinês e, para isso, conta com a colaboração da primeira-ministra do país. Carrie Lam é o nome da mulher que tem conduzido Hong Kong em direcção ao pantanoso terreno da ditadura, debaixo de aplausos e total suporte do governo central chinês.

Protestos, protestos e mais protestos é tudo o que esta nova lei da extradição tem provocado. A resposta? Violência, repressão e mais violência. São muitos os que continuam a protestar, formando uma gigante muralha, tentando proteger esta, agora, frágil democracia. São jovens, principalmente os meus colegas estudantes universitários, que têm sido o escudo que zela pela liberdade de expressão e pela defesa dos direitos humanos. Uma luta sem rostos, dominada pelo medo, sendo que nem esse os paralisa.

A voz inflamada da juventude contrasta com o silêncio ensurdecedor da comunidade internacional que continua a evitar conflitos contra uma das mais influentes ditaduras mundiais. A sua influência económica e política no globo terrestre é motivo de sobra para a maior parte dos países assobiarem para o lado quando se fala em violações dos direitos humanos por parte do regime chinês. Desde opressão a campos de concentração, é grande a panóplia de atentados que têm sido ignorados por todos.

Em Portugal até chegamos a ter uma proposta apresentada no Parlamento com o objectivo de cooperação com os estudantes e universidades de Hong Kong, com a intenção de aumentar o número de intercâmbios entre os dois países, de forma a proteger os estudantes, promovendo, assim, a liberdade de pensamento em contexto académico.

A proposta apresentada pelo PAN foi chumbada, tendo esbarrado nos votos contra do PS e PCP e numa abstenção da bancada do PSD, espelhando deste modo o carinho com que uma boa parte da esquerda trata o regime ditatorial chinês, mantendo constantemente Xi Jinping na prateleira dos “tiranos fofinhos”, intocáveis até no nosso país, e uma abstenção de um centro-direita completamente sem rumo que renega diariamente os seus princípios basilares.

É neste contexto de passividade internacional que Xi Jinping alimenta tranquilamente este monstro que é o Partido Comunista Chinês (PCC), que está cada vez maior, mais violento e munido dos mais eficazes meios tecnológicos. E é debaixo da mais ultramoderna vigilância digital que estes cidadãos têm arriscado as suas vidas diariamente num pedido de auxílio à comunidade internacional que tarda em chegar.

Possivelmente um dia vamos acordar e ler nos livros de história todas as atrocidades cometidas por Xi Jinping, pela ditadura chinesa e pelo PCC. Se calhar o mundo vai perguntar-se como foi possível ninguém ter feito nada para salvar aqueles cidadãos amordaçados. Por cá continuamos a dar a democracia como adquirida, suavizando ideologias extremistas, entretidos com circos mediáticos, ainda sem entender que o quebra ovos podia ser qualquer um de nós!

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