O PSD, o Chega e o centro-direita

Como na natureza, a política tem o horror do vazio. Que o centro-direita, para governar, necessite do Chega e que este cresça como as sondagens deixam prever é uma consequência natural de um caminho que os partidos desta área (sobretudo o meu, o PSD) têm percorrido.

Andou por aí um burburinho grande à volta do apoio do Chega à solução governativa nos Açores. Muito barulho para nada… Sempre tive por princípio de que o bem do centro-direita não é um objectivo da esquerda e que era o que mais faltava que o que decidisse o nosso rumo fosse a gritaria dos nossos adversários políticos. Mas há mais razões para não ter paciência para o terrorismo político-mediático desencadeado por este caso: sou pela liberdade de expressão, não alinho na demonização de quem pensa diferentemente de mim, não discrimino entre as propostas políticas que julgue desprovidas de bom senso (limito-me a recusá-las sem olhar à respectiva autoria), gosto de distinguir entre o essencial e o acessório, o drama e a dramatização, e prezo o empenho de qualquer um na política e o desejo de bem comum que o anima, independentemente da área politica a que pertence.

Mais interessante para mim é, pois, outro assunto. Qual seja o do crescimento de um partido na extrema da mesma área política a que pertence o meu e porque é que esse crescimento, a acreditar nos últimos resultados eleitorais e nas sondagens, é feito, em parte, à custa do eleitorado do PSD e até, pelos ecos e experiência que vou tendo, da sua própria militância e de seus quadros autárquicos. Outra preocupação sendo porque é que globalmente não cresce a área política a que pertenço e que, recordando um meu artigo no Observador em Janeiro deste ano, perdeu um milhão de eleitores entre 2002 e 2019, e que, tanto quanto se sabe, não há sinais de estar a recuperar. Vamos então por partes, começando por um testemunho.

Por desde 1996 ter estado empenhado em movimentações cívicas à volta das chamadas questões fracturantes, sou testemunha “privilegiada” do, na média, autismo político dos partidos do centro-direita no que respeita a essas matérias. E sou também testemunha “privilegiada” do divórcio profundo entre o sentimento do eleitorado e a performance política dos partidos naquelas questões (da direita à esquerda com as, do ponto de vista político, “honrosas” excepções do Partido Comunista e do BE). Na verdade, não existe nenhuma explicação razoável de como movimentações cívicas (petições, iniciativas populares de referendo, manifestações, campanhas políticas) que excedem largamente em dimensão não apenas as de sinal contrário, como uma parte significativa das iniciativas partidárias (com a excepção apenas das do Partido Comunista), sejam ou pouco protagonizadas ou ostensivamente desconsideradas pelos principais actores políticos e não encontrem nas estruturas partidárias, que lhe seriam naturalmente mais propícias, suficientes espaços de acolhimento e a adopção plena dessas bandeiras no seu discurso politico.

Por irrazoável que isso seja, não é, pois, de admirar que nas margens do centro-direita cresça um descontentamento inorgânico que é insensivelmente empurrado para a identificação com propostas políticas de valor desigual, mas que oferecem pelo menos a possibilidade de desabafo político e do resmungo que não resolve, mas, aparentemente, alivia, tal a saturação e desilusão sentidas com as escolhas políticas tradicionais…

Mas o problema não se reduz às chamadas causas fracturantes. O centro-direita, tendo-se deixado colonizar culturalmente pela esquerda, perdeu, sobretudo nas suas lideranças e mais dramaticamente no PSD, aquela capacidade de intuição política que fazia não houvesse hesitações na concepção do Estado como um instrumento ao serviço da dignidade humana e da sociedade, a valorização da autonomia desta, em todos os campos, com especial relevo para a acção social e a família, o valor da liberdade em todas as circunstâncias (de expressão, económica, a religiosa e na educação), uma concepção do homem e da vida, baseada na observação e respeito pela realidade (cuja negação acaba sempre na opressão e na violência), a estima pelas tradições, um sistema político verdadeiramente democrático e representativo, ou seja, um conjunto de valores que hoje em dia se diz professar, mas quando se esquecem já não se sabe o que significam.

Como na natureza, a política tem o horror do vazio. Que o centro-direita, para governar, necessite do Chega e que este cresça como as sondagens deixam prever é uma consequência natural de um caminho que os partidos desta área (sobretudo o meu, o PSD) têm percorrido e, aqui chegados, não se podem queixar senão de si próprios. O “prazer” de ver os nossos adversários políticos “aos urros” e a saborearem esta nova configuração do sistema político português com governos emanados do Parlamento (que é boa quando são eles a fazê-la e má quando somos nós) não me parecem ser razões suficientes para nos conformarmos com o ponto a que chegámos.

Mas talvez isso seja necessário. Talvez seja mesmo necessário bater no fundo. Deixar, infelizmente, ir até ao limite a incongruência política e dos princípios, ver crescer o que não se deseja e deixar que do “caos” que sobrevier surjam novas reconfigurações partidárias, internas e externas, que reponham o equilíbrio e ofereçam a Portugal o que o nosso país mais necessita: um centro-direita convicto, determinado, esclarecido, inovador, pluralista e reformista. Em boa parte das movimentações cívicas, é para esta tarefa que começamos a perceber que talvez estejamos convocados. Se chegarmos a essa conclusão, e como em tantos outros debates, não faltaremos à chamada!

Dirigente de movimentos cívicos desde 1996, membro suplente do Conselho Nacional do PSD

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